Infinityoned 09/11/2022
Reflexivo, instigante e assustador
Obs: Possui alguns spoilers de cenas marcantes para mim
De volta à casa que viveu dos sete aos doze anos, em Sussex, para um enterro, um homem com cerca de quarenta anos vê-se em meio às memórias. Após o funeral, ele se obriga a ir de encontro a uma propriedade antiga do lugar - no fim do caminho -, onde existia um lago em sua visão e onde conheceu Lettie Hempstock, uma garota quatro anos mais velha que ele e que de acordo com o que recorda era impressionante, principalmente por considerar que o lago na verdade era um ?oceano?. Além dela, viviam no lugar a mãe e a avó da menina. Ao chegar lá, encontra-se com a avó de Lettie e acaba dizendo que irá até o lago. Como se sua lembrança de espaço do lugar tivesse sido acordada, ele segue diretamente até o seu destino final.
Lá, observa o lago e instantaneamente parece lembrar de tudo, desde o dia do seu aniversário - o qual ninguém compareceu - até o suicídio do inquilino que morava no sótão de sua casa dentro do carro do pai e a sucessão de acontecimentos após isto. Com o despertar de algo sobrenatural e que buscava espalhar felicidade supérflua, tratando de dar o carnal e material, o homem - agora novamente garoto de sete anos - corre perigo e então Lettie Hempstock aparece e, através de seus dons e experiência até então desconhecidas pelo garoto promete protegê-lo, não importasse o que acontecesse.
Narrada com base na memória do homem narrador-personagem, a obra é bastante reflexiva sobre as pessoas e o cosmo. Assusta à primeira vista, quando trata de morte, "bicho-papões", punições descabidas cometidas pelo pai do narrador, descrédito nas crianças, primeiro luto com o gato e como todo o resto vê isso, principalmente por todos esses episódios serem associados à infância do protagonista. Não é uma história fácil de ser lida, quando vários ensinamentos são apontados aqui e ali. O lago ou oceano, como a Lettie acredita ser, representa a divisão de dois mundos. A meu ver, associa-se diretamente com a ideia de Platão. Quando o garoto submerge no balde com água do lago, ele vê um mundo diferente, ele vê a perfeição da criação e não quer ir embora de lá e isso alude ao mundo das ideias, enquanto o que ele vive é material, sensível.
Quanto à escrita, estou estupefacta. Mesmo que já tenha lido outros dois livros do Neil Gaiman, esse ainda sim surpreendeu, especialmente pela narração tirar o fôlego. Na cena em que o garoto foge na chuva da governanta, com medo, senti como se estivesse na pele dele, me desesperei junto. Logo, ?O oceano no fim do caminho? é uma fábula intrigante, mas que busca mostrar uma grande verdade:?Gostamos de esquecer que muitos dos conceitos em que acreditamos foram dolorosamente impelidos para dentro de nós durante nossa infância?, como o filósofo, historiador e físico Thomas Kuhn certa vez falou.