Euflauzino 19/08/2014A chibata da ignorância rasgando as costas da almaO que dizer de um livro que trata da crueldade a qual o ser humano pode alcançar? Ainda me encontro estupidamente revoltado, tentando me concentrar nas palavras corretas para não fugir do que tenho que falar. Quero me expressar sem rancores.
12 anos de escravidão (Seoman, 232 páginas) é um daqueles livros que nos achata, nos apequena, nos envergonha, só por fazermos parte da raça humana, homo sapiens. De cara me deparo com uma citação de Cowper, ele que sofreu bullying, quando isso ainda nem estava na moda, século XVIII, teve depressão, tentou várias vezes o suicídio, simplesmente por não concordar com a rudeza das atitudes mesquinhas dos “seres humanos” de sua época:
“Tão ingênuos são os homens com relação aos costumes, e tão propensos
A reverenciar o que é antigo, que, podendo comprovar
Uma longa observância do transcurso desses usos,
Fazem com que até mesmo a servidão, o pior dos males…
Seja mantida guardada, como se fora algo sagrado…”
Um tapa na cara! O texto é maior, mais contundente, mas já dá pra se ter uma noção do teor deste livro. Em uma só palavra: acachapante.
Solomon Northup narra seu calvário com retidão, em momento algum apelando para o sensacionalismo, traçando fielmente, com riqueza de detalhes seu sofrimento, sem jamais perder a fé, acreditando serem desígnios de Deus. Muitas vezes isso me perturbava, já que não acredito que tenhamos que passar pelo sofrimento para alcançar a glória, isso sempre me pareceu despropositado. Porém foi isso que o manteve vivo, portanto não posso discutir o resultado, apenas o argumento:
“Eu me sentia aflito, mas grato. Grato por minha vida ter sido poupada, mas aflito e desconsolado com as perspectivas que tinha pela frente. O que seria de mim? Quem se compadeceria de mim? Para onde eu fugiria? Ó, Deus! Tu, Senhor, que me deste a vida, e que implantaste em meu peito o amor por esta vida e que a encheu de sentimentos, tal como as dos outros homens, Tuas criaturas, não me abandones. Tenha piedade deste pobre escravo. Não me deixeis perecer. Se não puder contar com o Teu amparo, estarei perdido! Perdido!… Parecia que eu havia sido esquecido por Deus — além de desprezado e odiado pelos homens!”
Solomon, um homem livre, residente num Estado livre, parte norte dos Estados Unidos, casado, próspero trabalhador, pai de três filhos, é ludibriado, sequestrado, em 1841, e vendido como escravo:
“Agora, sob a sombra de uma nuvem escura, adentro as densas trevas em meio às quais logo desaparecerei, para ser, a partir de então, oculto dos olhares dos meus entes queridos e privado da doce luz da liberdade, por muitos anos de extenuante sofrimento.”
Por 12 anos é vítima de flagelos, vivenciando a vida dura de seus pares, até ser resgatado:
“Ele (Epps, dono dos escravos) teria permanecido impassível e inamovível ao presenciar as línguas de seus escravos serem arrancadas a ferro de suas bocas; ele poderia tê-los visto serem reduzidos a cinzas, sobre fogo lento; ou destroçados, até a morte, por uma matilha de cães, desde que isso resultasse em lucro, para ele. Um homem duro, cruel e injusto…”
Toda essa vileza era o dia a dia de Solomon, seu café com leite (se eles tivessem direito ao café com leite, impensável). Seu pesar é admitir sua incapacidade em mudar a vida daqueles que ficaram pra trás, que nasceram na parte sul e que nunca, em momento algum, livrar-se-ão do jugo opressor de uma mentalidade arcaica e desumana...
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