Phelipe Guilherme Maciel 11/04/2018Era rei e sou escravo, era livre e sou mandado.Era rei e sou escravo. Era livre e sou mandado!
Onde a minha terra firme, áfrica dos meus amores.
Onde a minha casa branca, minha mulher e meus filhos.
Me trouxeram para longe, amarrado na madeira,
me bateram com chicote, me xingaram, me feriram.
Era rei e sou escravo, era livre e sou mandado.
(Milton Nascimento)
Antes de mais nada, é preciso esclarecer que a escravidão dos negros nas Américas, na África e outros territórios não é um crime branco, como alguns querem que aceitemos. Reis negros já escravizavam outros negros muito antes do comércio negro tornar-se o mais importante motor da economia européia. Inclusive, esses mesmos reis negros foram os principais responsáveis pelo início disto tudo. Para eles, era extremamente lucrativo subjugar tribos mais fracas e trocar humanos por mercadorias vindas da Europa. Para os europeus, os lucros eram ainda maiores.
Esse livro é o relato de Solomon Northup, cidadão americano livre, negro, que sequestrado numa armadilha se vê obrigado a cumprir 12 anos de escravidão em fazendas diversas no sul dos Estados Unidos, em Louisiana. Solomon não era nenhum rei, mas ser livre num país escravagista, não fazendo parte da parcela que oprime e escraviza, é um feito digno de rei. A musica de Milton Nascimento relata muito bem o que significa este livro.
É normal vermos relatos de negros escravizados que conseguiram sua libertação, mas muito raro ver um livro onde um negro livre tornou-se escravo após 33 anos de vida pública livre.
Solomon foi atraído em sua terra, Saratoga Springs até Washington,onde foi provavelmente drogado e quando acordou, se encontrou preso, sem dinheiro e documentos, com mãos e pés agrilhoados. Tentou em vão argumentar que era um homem livre. Foi espancado até quase a morte e teve sua honra e suas convicções enterradas no fundo de seu coração, onde a crueldade humana não pudesse chegar.
Solomon fala muito dos benefícios de viver em um dos estados livres do Norte em seu livro, mas uma curiosidade que descobri era que os negros livres do Norte tinham menos direitos garantidos que os negros livres do Sul, e viviam em pobreza maior que aqueles livres em estados escravagistas.
Lendo este livro, percebi o quanto o mundo pouco mudou, desde o tempo de Solomon Northup. A escravidão existe até hoje (Na maioria das vezes a escravidão é ilegal). Homens livres são privados de sua liberdade ainda hoje. Há países escravagistas ainda hoje (Coréia do Norte e Sudão ainda possuem algum tipo de escravidão legalizada). Quando pensamos nesse aspecto, nos questionamos qual é então a maldita condescendência que nos domina, que nos pacifica de tal modo a não nos revoltar contra casos assim, em pleno século XXI.
Outra coisa que podemos perceber com a leitura desse livro são os reflexos que a escravidão gera num país. Solomon, ao ser resgatado, denunciou seus sequestradores, seus torturadores, mas mesmo sendo um homem livre, somente por ser Negro, não pode ele próprio testemunhar nas ações penais que foram criadas. Um pouco mais para frente, Negros foram proibidos de sequer entrar na justiça, nos Estados Unidos. Não podiam postular seu direito a justiça. Alguns anos mais para frente, mesmo após a abolição da escravidão, os Estados Unidos não se mexeu para exterminar também o nefasto sistema de Segregação racial, que separavam negros de brancos, que já existia na escravidão e se manteve forte até o início de 1970, muito depois das palavras de amor e liberdade dos Beatles, muito depois de Chuck Berry e B.B. King incendiarem o país com suas guitarras, somente quando Martin Luther King ergueu sua voz para dizer que tinha um sonho...
Um sonho de que os negros fossem iguais aos brancos, plenamente, e fossem vistos como capazes, valorosos, inteligentes, independente de sua cor de pele.
Estamos em 2018, e ainda hoje os negros não tiveram o holocausto que ceifou quantidades inimagináveis de pessoas através da barbárie e da crueldade da escravidão devidamente reconhecido.
Livros como este se fazem importantes, para manter frescos na mente das pessoas que barbaridades como essas não devem jamais tornar a acontecer.
Para que nunca mais uma pessoa tenha que ver na morte, a tão sonhada liberdade e o tão aguardado descanso.
"Seria uma felicidade para a maior parte de nós — pouparia a agonia de
centenas de açoites e mortes miseráveis por fim — se o generoso mar
tivesse naquele dia nos subtraído das garras de homens sem coração.
Imaginar Randall e a pequena Emily afundando para junto dos
monstros das profundezas é mais agradável do que pensar neles como
estão agora, talvez, levando vidas de trabalho forçado sem fim."