sr. felix 15/03/2024
Navegando rumo a loucura.
A missão designada pela Companhia do comércio de marfim ao capitão Marlow - ir até uma certa estação na África em busca de um certo sr. Kurtz - é o centro narrativo. Os mistérios, os segredos, a maldade e a ganância são elementos que gravitam em seu entorno.
Enquanto a pequena embarcação avança, penetrando na densa escuridão do continente africano, reverbera a nítida sensação de insanidade saída das entranhas da floresta. Este ambiente selvagem, hostil, impróprio para um citadino, é agora o reino do sr. Kurtz. Ele, que fora um homem notável, dotado de candura e com um espírito benevolente, sucumbiu à loucura. Afogado no próprio ego, perdido nas trevas de seu coração, Kurtz deifica a si mesmo e subjuga os nativos daquele local, tornando-se um ?deus?.
Conrad parece querer dizer, pela via metafórica da história, que a loucura está escondida dentro de cada ser humano. Utilizando a persona de alguém bem-quisto, com ideais filantrópicos, se perdendo dentro de si em meio ao absurdo de um lugar selvagem, sem lei, caótico, ele põe em evidência a fragilidade da matéria moral e ética do Homem - sua liquidez e pretensão em desviar-se do bem e conduzir-se ao mal, do certo ao errado, perdendo completamente a lucidez.
No âmago sombrio daquele continente, Kurtz falha em sua humanidade, assim como nós outros - os que vivem sob a entropia das cidades modernas, bombardeados com notícias sanguinárias, perdidos em prenúncios de guerras, acostumados com a corrupção, à deriva no mar de ganância - podemos, também, falhar.
Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha de volta para você. Basta navegar até o porto mais fundo do nosso coração, e lá estará a face hedionda da perdição. Será lá que encontraremos a efígie do nosso próprio sr. Kurtz. Como já disse Nietzsche, devemos acautelar-nos para não nos tornarmos monstros. Pois esta é a nossa tendência natural, e é necessário apenas uma ínfima gota de mal para corromper a mais nobre das substancias.