Soliguetti 02/06/2017Perda de fôlegoQuarenta Dias, de Maria Valéria Rezende, é um exemplo de livro que começa muito bem, cria uma narrativa interessante, mas não consegue se sustentar.
Tudo começa com a personagem principal, Alice, tendo de se mudar à força de sua cidade natal, sempre tendo que levar em consideração a opinião dos outros sobre a sua vida. O drama sofrido pela personagem, as saudades de sua terra, os desafios na cidade nova, a violência psicológica que ela sofre silenciosamente são excelentes pontos da história, que a autora soube aproveitar muito bem. Repentinamente, porém, a narrativa muda de rumo e passa a focar na busca por uma pessoa desaparecida.
Nessa segunda parte da narrativa, a busca acontece a pretexto de a personagem fazer algo que realmente tenha sido decidido por ela e não pelos outros, mas, na verdade, não convence. Alice passa por situações extremamente difíceis, por vontade própria, que nada se justificam pela construção psicológica feita anteriormente. Em outras palavras, a motivação da personagem não é grande o suficiente.
Como se isso não bastasse, em seu desfecho, a história não fecha nenhuma de suas pontas, nem a psicológica e nem a de ação, como se a autora tivesse ficado com preguiça de escrever muito mais. Isso fica muito claro quando os primeiros dias, dentre os quarenta, são detalhados minuciosamente, e logo depois os demais dias são percorridos velozmente, e o leitor os vê passar como um borrão. Assim, o título do livro não faz muito sentido, já que os quarenta dias (como um número fechado) não têm qualquer relação com a história. A não ser que a autora quisesse passar a impressão de "quarentena", dando a ideia de Alice se isolar de sua vida pessoal.
É interessante também a narrativa. A conversa com a Barbie, desenhada nas páginas onde Alice escreve sua história, é bastante divertida. Há, porém, um uso excessivo de vírgulas e finais de frase sem pontuação, que certamente foi colocada no texto propositalmente por Maria Valéria Rezende, mas que também não se justificam. Ora, se fosse uma personagem mediana, tendo cursado apenas um ensino médio, vá lá, seria compreensível. Mas Alice era professora e adorava ler, sempre entrando em sebos e comprando livros novos. Deveria ser natural para ela escrever corretamente, utilizando pontos e vírgulas adequadamente, bem como separando diálogos (é bastante difícil, em certos pontos, saber quando um personagem começou a falar. É uma escrita muito bagunçada).
Assim, é de surpreender que Quarenta Dias tenha levado o título de melhor romance do prêmio Jabuti. Não passa de um livro bastante mediano, cheio de falhas de estrutura, por mais que a ideia original tenha sido excelente, começando com uma grande premissa, mas perdendo o fôlego nas retas finais, talvez por desleixo ou pressa da própria autora.