Ebenézer 31/07/2021
Chimamanda maravilhosa
Apenas pelo título Meio Sol Amarelo talvez jamais teria conhecido essa escritora talentosa, mas tendo lido seu livro já me antecipo: Chimamanda é uma escritora fenomenal.
A vontade foi de reiniciar Meio Sol Amarelo para me inteirar com mais acuidade das sutilezas dessa triste e penosa narrativa e das personagens que nela transitam. Personagens, cenário e tema que evocam uma das maiores tragédias humanitárias: a guerra fratricida na Nigéria em sua agonizante emancipação do domínio imperial britânico.
Chimamanda evidencia o caldo de culturas e paradoxos que envolveram a recém-independente nação e os conflitos tribais que se sucederam numa guerra de secessão revolucionária, mal sucedida, que visava a criação de um novo território Biafra, pela hegemonia no poder, o que fez mergulhar o país num conflito entre irmãos, e milhões de mortos.
A despeito do contexto doloroso, e nada obstante os abjetos preconceitos raciais dos dominadores, a narrativa de Meio Sol Amarelo é singularmente linda e cativante. O brilho e a vivacidade que Chimamanda imprime em suas descrições é de uma beleza fotográfica cujas lentes captam não somente imagens, mas igualmente os sentimentos múltiplos das personagens. Chimamanda tem uma versatilidade que impressiona na "tomada" de cada "ângulo" para onde aponta a sua objetiva. Seu texto é de uma realidade e plasticidade que dispensa imagens. Seu texto é a própria imagem.
Chimamanda caracteriza de uma maneira singular as nuances de suas personagens principais como Egwu, Odenigbo, Olanna, Kainene, Richard Churchill...
É surpreendente e inquietante participar das "humanidades" de cada uma dessas figuras em suas questões pessoais e passionais, enquanto todos sofrem reveses insuperáveis tanto pelas vicissitudes da própria vida, e agravada pelos efeitos da guerra de secessão que transcorria.
Meio Sol Amarelo expõe com fortes cores a penúria, em muitos aspectos, a que ficou submetida a maioria esmagadora dos nigerianos, além do explosivo e caótico fracionamento da nação em incontáveis tribos.
Das personagens destaco Egwu, sem desprezar nenhuma: sua origem de pobreza que "salvava embalagens velhas de açúcar, rolhas, até mesmo casca de cará, que se ligava ao fato de nunca ter tido o suficiente e da incapacidade de jogar qualquer coisa fora, até mesmo as inúteis"; a disposição de Egwu para o trabalho, sua perspicácia em aproveitar as oportunidades, sua consciência moral, sua prontidão e, sobretudo a superação de desafios pela Educação, uma das bandeiras revolucionárias de Odenigbo: ?A educação é uma prioridade! Como é que podemos resistir à exploração se não temos as ferramentas para entender o que é exploração??.
Para mim, Egwu encarna o complexo e áspero desenvolver do espírito humano diante de desafios insuperáveis.
Apesar da atroz conjuntura em que se insere, agradabilíssima a leitura de Meio Sol Amarelo cuja narrativa envolve de sensibilidade e ternura a satisfação dos atos mais íntimos da natureza humana.
MEIO SOL AMARELO: O vermelho era o sangue dos parentes massacrados no Norte, o negro era em sinal de luto pelos mortos, o verde era pela prosperidade que Biafra teria, e, por fim, o meio sol amarelo, que significava um futuro glorioso.
"Que nós nunca...esqueçamos."