Jeni 11/05/2021
"meio sol amarelo"
A leitura de ?Meio sol amarelo? nos aproxima de uma série de questões que nos são contemporâneas e que não diz respeito apenas a Nigéria ou mesmo a África. O sudeste da Nigéria, que seria a região de Biafra, é também um lugar de petróleo. O acesso e controle de riquezas sempre foram lócus de disputas geopolíticas e mobilizam imperialistas. Os efeitos de uma guerra, com dissensos internos e a formação de uma massa de refugiados e seus estigmas estão também presentes no livro.
Os diálogos com reflexões sobre colonialismo, racismo e as possibilidades futuras para continente africano são marcantes e intercalam com passagens que reportam a militarização da vida, os privilégios militares e os abusos de poder. O cotidiano de uma geração, socializada em meio aos conflitos bélicos e entrelaçados a questões étnicas-raciais e religiosas, onde crianças transformam estilhaços em brinquedos e guerra em brincadeira (isso quando não são também recrutadas para a guerra), não pode ser ignorado nesse processo. Os conflitos étnicos existentes na Nigéria e extensivos em larga medida ao continente africano, é posto como política de colonização, uma vez ?que manipularam as diferenças entre as tribos e garantiram que a união jamais se concretizaria? com o efeito prático de facilitar ?a governança de um país tão grande? (p. 198). Trata-se, ao fim, da lógica de dividir para dominar. A própria Nigéria, enquanto Estado-Nação, e o próprio debate racial é posto em interrogação, como uma criação europeia. Em outras palavras, como afirma em diálogo o personagem Odenigbo: ?Eu sou nigeriano porque um branco criou a Nigéria e me deu essa identidade. Sou negro porque o branco fez o negro ser o mais diferente possível do branco. Mas eu era ibo antes que o branco aparecesse? (p. 31).
Há momentos de reflexões ideológicas, momentos de humor, mas também aqueles que nos provocam sensações de profunda tristeza ou mesmo repulsa. A guerra é uma expressão da barbárie humana, não somente pela escassez e a fome que ela provoca. Há casos de estupro coletivo, realidade que acompanha as mulheres em tempos de paz e que se acentuam em tempos de guerra. A trama que envolve o ponto é um dos momentos mais tristes e densos do livro.
Em nota ao final do livro, Chimamanda Adichie agradece a familiares e suas memórias como fonte de inspiração e informação sobre o período que cobre seu romance. Nós agradecemos a Chimamanda por colocar em xeque nossas perspectivas e visões eurocêntricas, nos convidando a descolonizar nosso pensamento com a apresentação de olhares sob diferentes e complexas perspectivas que não cabem nos estereótipos e nas categorias a qual costumamos recorrer. A autora negra, nascida na Nigéria, nos ensina que é preciso (re)escrever a história a partir de novos olhares, vivências e memórias.