Bruna.Patti 30/08/2020
Mieo-sol amarelo
Resenha
Livro: Meio-sol Amarelo
Autora: Chimamanda Ngozi Adichie
Ano: 2008
Número de páginas: 504
Editora: Companhia das Letras
Chimamanda, em inúmeras palestras , nos alerta para o perigo de histórias únicas. É necessário que os vencidos, os massacrados também contem suas sagas pelo seu ponto de vista. Por isso, tive uma enorme surpresa ao ler pela primeira vez, nessa obra prima da literatura, sobre a Guerra na Nigéria. Fiquei espantada pois na escola nunca havia ouvido falar sobre esse período terrível ocorrido no continente africano. Do lado de cá, somos ensinados que a História, com H maiúsculo, importante é aquela vivida pela Europa e pelos Estados Unidos. Nem mesmo conhecemos os fatos da nossa própria América Latina, mas duvido que alguém tenha passado pela escola sem ouvir falar da Primeira e Segunda Guerra Mundial. Essa é a segunda vez que leio esse livro e me encanto pela escrita dessa autora novamente, como se fosse a primeira vez. Vamos ao enredo.
Meio- sol amarelo se passa durante a década de 60, em três períodos temporais diferentes ao longo dessa mesma década. A Nigéria era um caldeirão étnico, onde após a colonização, foram colocadas juntas diversas etnias que não tinham a mínima ligação entre si. Por conta disso, aconteceram muitos conflitos. O livro narra o conflito que teve origem na tentativa de separação dos igbos dos hauçás. Esses últimos estavam no poder e se favoreciam exclusivamente, conferindo um tratamento diferencial aos igbos, que decidem por se separar da Nigéria, criando seu próprio Estado, a Biafra. A primeira vez que ouvi falar sobre esse conflito foi no livro da Chimamanda. A guerra civil durou cerca de três anos e trouxe consequências devastadoras para toda a população.
O livro gira em torno de cinco personagens: Olana e Kainene, irmãs gêmeas pertencentes à alta classe nigeriana; Olana é a gêmea mais calma, se muda de Lagos por não aceitar a vida de opulência dos pais e vai lecionar na pequena cidade de Nsukka, na universidade, enquanto Kainene, trata de cuidar dos negócios dos pais; Olana se relaciona com Odenigbo, intelectual de esquerda da universidade e Kainene se relaciona com Richard, homem branco inglês que se muda para Nigéria e vivencia a guerra. Além desses quatro personagens acompanhamos a vida de Ugwu, empregado na casa de Odenigbo quando pré adolescente. Acompanhamos seu crescimento em meio à guerra e todas as consequências advindas disso.
Tudo ia bem na vida desses personagens até que a guerra estoura: a partir desse momento passam fome, vivenciam situações de tortura, estupro, doenças, crianças morrendo de fome entre outras situações fortes. Acompanhamos esses dramas entrelaçados com a história pessoal dos personagens. Achei todos muito bem construídos e que acabam sendo humanizados, nos despertando simpatia, apesar de ou por isso mesmo, serem tão imperfeitos, portanto, parecidos com nós mesmos.
Achei muito interessante a ironia presente no personagem Richard: ele se acha no direito , no começo do romance, de contar a história daquele povo, sob seu ponto de vista. Afinal de contas, o homem branco europeu sempre acaba por narrar a história pela sua ótica. Mas isso vai sofrendo transformações positivas ao longo do livro. Em relação ao relacionamento das duas irmãs: mais do que retratar as duas personagens, acredito que representam as diversas maneiras de lidar com a guerra.
A autora claramente possui uma enorme simpatia por Biafra: gosto de autores que se posicionam marcadamente, pois não existe neutralidade: o que existe é conivência e manipulação disfarçada de suposta imparcialidade. Opiniões não declaradas geram manipulação. Também eu, como leitora, acabei por me posicionar ao lado dos oprimidos, ao lado do povo que sofreu as consequências nefastas de uma guerra. Guerras são sempre catastróficas para a população e o livro nos narra isso de maneira magistral.
Por fim desejo que conheçamos mais histórias plurais: da Ásia, do continente Africano, da América Latina. Que possamos descolonizar nossas leituras e nossos pensamentos, dando voz e vez para que os oprimidos da terra tenham espaço para nos contar suas histórias. Para que possamos conhecer aquela história que a História não conta. Por fim, recomendo fortemente a leitura do livro e encerro com o samba enredo vencedor do ano de 2019 no Rio de Janeiro, da escola de samba Mangueira:
“Brasil, meu nego
Deixa eu te contar
A história que a história não conta
O avesso do mesmo lugar
Na luta é que a gente se encontra
Brasil, meu dengo
A Mangueira chegou
Com versos que o livro apagou
Desde 1500 tem mais invasão do que descobrimento
Tem sangue retinto pisado
Atrás do herói emoldurado
Mulheres, tamoios, mulatos
Eu quero um país que não está no retrato
Brasil, o teu nome é Dandara
E a tua cara é de cariri
Não veio do céu
Nem das mãos de Isabel
A liberdade é um dragão no mar de Aracati
Salve os caboclos de julho
Quem foi de aço nos anos de chumbo
Brasil, chegou a vez
De ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês”
site: https://medium.com/@brunapatti_74534/meio-sol-amarelo-ffc29a8d2640