Rafael.Ferreira 18/04/2018
George R. R. Martin estreia na literatura infantil com o encantador “Dragão de Gelo”.
Não lembro exatamente o dia em que comprei meu primeiro livro do George Martin, mas me lembro como foi. Crônicas de Gelo e Fogo - Guerra dos Tronos. Vi a capa, sinopse na livraria, gostei da proposta e pelo tamanho, comprei. Não conhecia esse escritor, não havia série na HBO e nem de longe participava de grupos ou comunidades literárias que pudessem me passar algum hype dele. Estava no início de sérios problemas pessoais e os livros do Tio Martin que tão ávido consumi me ajudaram a lidar com isso.
Após virar fã do escritor, em uma pesquisa me deparei com Sonho Febril, A Morte da Luz e O Dragão de Gelo com sua premissa infantil. O engraçado é que o comprei, pois achava que tinha algo a ver com as Crônicas. Aliás, cito esse ponto para já deixar você ciente de que vários elementos desse livro podem lhe remeter à grande série do Martin, porém Dragão de Gelo foi escrito antes e não tem qualquer ligação.
"Os sorrisos de Adara eram de uma reserva secreta, e ela os gastava apenas no inverno. Mal podia esperar que seu aniversário chegasse, e, com ele, o frio. Pois no inverno ela era uma criança especial."
Adara nasceu no inverno. Um dos piores invernos que a Velha Laura se lembra. Nasceu com uma pele branca azulada, cabelos loiros e olhos azuis. Veio sem sua mãe, que não resistiu ao frio durante seu parto. O mesmo frio que faz parte de Adara.
Com um pouco mais de 100 páginas, em uma narrativa em terceira pessoa centrada em Adara, George Martin faz uma tocante mensagem para adultos em um livro infantil. Embora seja vendido como infantojuvenil é recomendado para maiores de 12 anos. Esta história tem aquele toque de magia que todo escritor tem em mãos. A magia de mexer conosco, de nos agregar algo formado pela junção de letras e mais letras. De palavras. O livro usado como referência para explicar apenas um pouco da ideia por trás de O Dragão de Gelo com certeza é o clássico, O Pequeno Príncipe. Ao ser lido por uma criança, o entendimento e a mensagem será infantil. Ao ser lido por um adulto a quantidade de mensagens contidas nas entrelinhas servirão para inspirar e tocar o coração. Esta é a melhor definição de meus sentimentos ao lê-lo: tocado.
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Adara não é uma criança comum e durante o livro Martin irá compondo cada característica que a torna diferente. O mais impressionante nessa leitura foi o tamanho do enredo mostrado por Martin através da visão da personagem. A forma como conhecemos seu irmão trabalhador e curioso. Sua irmã cheia de vida e os diálogos de seu pai John e seu tio Hal. Coisas de adulto, que você leitor irá se sensibilizar. Outro ponto válido de mencionar é a expansão feita por Martin com a composição de um mundo nos explicando sobre as relações entre Norte e Sul. O autor não cria simplesmente um drama infantil com um dragão de gelo. Possuem estações do ano específicas (inverno, verão) e até um calendário próprio. Temos também uma guerra sendo travada entre reinos. Todos esses elementos pelos olhos e ouvidos de Adara. Sempre encaixados com delicadeza.
A escrita altamente descritiva do George sai um pouco de cena para uma linguagem leve muito bem traduzida. Palavras simples e frases próximas de serem poéticas. Ações resumidas em uma página ou até em um parágrafo abusam da memória e imaginação do leitor, ainda mais se você for fã de fantasia como eu.
O dragão de gelo é um animal espetacular. Como será contado no livro, o mundo de Adara é cheio de dragões, tanto de fogo (do verão) quanto de gelo (do inverno), mas com certeza o dragão de Adara é o maior, mais forte, mais lindo e se você duvidar disso, brigue com Adara, não comigo. Ela me convenceu disso (risos). A relação desse dragão com nossa personagem é quase uma fábula, tornando o Dragão não só dono do título da obra, mas uma peça-chave para a existência do livro, principalmente na parte final, onde o autor, usando as ações realizadas pelos personagens, constrói algo realmente vivo.
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"Não importava que rei governasse a terra, aquele sempre seria o dragão de gelo dela."
As ilustrações do livro feitas por Luis Royo possuem traços fortes e combinam perfeitamente com a essência do livro. Não são artes doces. São artes bonitas com um alto nível de detalhes com o puro objetivo de deixar a mensagem principal do livro. O entendimento e a compreensão antes da leitura. Sentir mais do que ver.
O escritor foi capaz de construir um plot twist com ação e digno de lágrimas, não por ser triste ou feliz, mas por ser um final escrito pelo Martin, ou seja,um final que tem tudo isso e mais um pouco. É difícil falar dessa história sem pensar, repensar e sentir tudo que é passado como mensagem. Eu peguei temas como família, diferenças sociais, sonhos, responsabilidade e pureza, pois estão intrincados por estas páginas.
Adara não diz uma palavra durante o livro todo, mas entrelaça sua essência no meu coração e espero que faça isso com você também, leitor. Esse livro vale a pena ser lido de uma vez, relido e nunca esquecido.
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