Abduzindolivros 03/07/2023
Harry Angel trabalha como detetive particular em Nova Iorque e é contratado por um homem muito peculiar, Louis Cyphre, com a missão de encontrar um famoso cantor desaparecido há quinze anos: Johnny Favorite, que tem um contrato a cumprir com Cyphre.
Tudo muito bem, tudo muito bom, parece um serviço relativamente simples e Cyphre paga muito bem, paga adiantado, mamão com açúcar, PORÉM Harry Angel será sugado para um submundo de rituais macabros, mortes bizarras e pessoas poderosas querendo esconder seus segredos...
Tenho plena consciência de que qualquer deslize informacional que eu deixar aqui vai estragar a experiência de quem for ler, então vou tentar falar sem revelar muita coisa.
No início, parece que as coisas são muito sem pé nem cabeça, desencaixadas. Tem muita coisa acontecendo, uma sucessão de desgraças, e características dos personagens sendo jogadas aparentemente ao vento... Mas, conforme avançava, via o óbvio: nada é por acaso, tudo faz parte de uma trama maior.
Tem um plot twist que é delicioso. Não necessariamente imprevisível, mas encanta pelo modo como foi construído e pelas pistas que, se não revelarem ao longo da jornada qual será se desfecho, em retrocesso estarão lá.
É uma história muito visual. Não tem descrições muito extensas, mas são certeiras para nos fazer ver as cenas nitidamente, como num filme, inclusive quanto ao ritmo da narrativa. Acompanhamos tudo ?em tempo real? através dos olhos de Harry Angel: se o detetive entra em um quarto e encontra um corpo com o peito aberto e o coração arrancado e, em seguida, desvia o olhar para reparar na bagunça do cômodo, é isso o que vemos. Ele não se detém em longas descrições sobre o brilho do sangue ou os arrepios por todos os poros do seu corpo, o que aumenta o impacto do horror.
O foco da narrativa está nas ações e diálogos, com pouca ênfase em pensamentos e sentimentos dos personagens; até porque não faria muito sentido colocar o Harry Angel divagando sobre si mesmo ou fazendo conjecturas sobre o íntimo dos outros. Angel é o típico nova iorquino que conhece a cidade como a palma de sua mão, mas pouco sabe sobre si mesmo. Ferrado, misterioso, um homem quebrado, de poucas palavras, pouco choro e muita ação.
Em alguns momentos, eu achei que a história ia ser um amontoado de estereótipos que eu não estava a fim de encarar ? essa descrição que fiz de Angel não parece um, bem batido? ? e tive medo de que uma parte do mistério caísse na culpa da religião dos pretos e pobres do Harlem, só porque sacrificavam frangos para aplacar o mal. Mas, confiei nas opiniões das pessoas que vinham me falar o quanto tinham amado esse livro, torci para que a trama não descambasse para essa direção (não foi), e vencido esse medo inicial, passei a apreciar os personagens como tipos que são: únicos, sim, porém com características que são facilmente reconhecíveis e com as quais nos identificamos.
Mesmo que você mate logo de cara a charada, vale muito a pena acompanhar o Harry Angel sofrendo para desvendar os mistérios, a caixa de Pandora aberta após aceitar o contrato com Louis Cyphre. E a lição final de que a ambição desmedida de querer tanto sucesso, fama, dinheiro e poder a ponto de vender sua alma, pode trazer satisfação por um tempo; mas se paga um preço alto demais ao tornar-se refém de um comprador ávido para te fazer de gato e sapato antes de te devorar. Não se engana o Pai da Mentira, não se lucra mais do que ele, jamais.
Dá para encaixar essa lógica em várias situações ?
E ver esse jogo acontecendo, bah, que lindeza! Gostei demais. Recomendo fortemente. Queria muito poder dar detalhes mais específicos para justificar essa recomendação, mas aí eu estrago a experiência de vocês hehe