Craotchky 21/07/2020Um híbrido?Vencedor do prêmio Nobel de literatura em 2010, o escritor peruano Mario Vargas Llosa conseguiu escrever aqui uma obra bastante diferente. O livro é estruturado de uma forma muito interessante: os capítulos se intercalam de tal maneira que, ora é narrada a história principal e condutora da obra, por assim dizer, ora radionovelas (que para efeitos práticos de leitura podem ser vistos como contos) de um personagem dessa história principal. Esta estrutura torna este livro um híbrido entre duas espécies de livros, pois abriga em suas páginas um romance e diversos contos. Não lembro de já ter lido um livro com essas características. De tal natureza é essa estrutura que não seria inimaginável ler separadamente o romance e os contos sem muitos ônus para o(a) leitor(a).
O "escrevinhador" do título é justamente o autor/produtor de radionovelas Pedro Camacho, com quem o protagonista da história principal, Varguitas/Marito, estabelece algo próximo de uma amizade. Com sua arte, Pedro Camacho alcança grande popularidade nas rádios peruanas, ao mesmo tempo que atinge elevados índices de audiência. Essas radionovelas (que são apresentadas sempre nos capítulos de número par, enquanto os capítulos de número ímpar se encarregam de narrar a história principal) contam sempre com aspectos dramáticos, criativos, por vezes cômicos, e terminam todas muito instigantes, provocando inevitavelmente o desejo de saber o que aconteceria na sequência. Todas também têm em comum tramas com algum(ns) conteúdo(s) mirabolante(s) que, embora de modo algum impossíveis de encontrar correspondência em casos reais, carregam uma latente sugestão de serem inverossímeis por conta dos eventos ligeiramente peculiares que narram. É, portanto, também possível encontrar uma camada metalinguística na obra na medida em que ela traz as radionovelas de um personagem do próprio livro: o excêntrico Pedro Camacho.
A história principal, por sua vez, tem como base a própria vida de Llosa, afinal ele realmente apaixonou-se e se casou com Julia Urquidi - casamento este que durou 9 anos e após o qual Llosa casou com sua prima, Patrícia. O autor, contudo, inseriu elementos ficcionais misturados na trama, embora o roteiro da vida do protagonista, Varguitas/Marito, tenha extrema verossimilhança com a vida pessoal do escritor peruano. Logo, há aqui um livro exemplo do modelo de literatura conhecido como "autoficção". (Prefiro chamar de "autobiografia romanceada", pois, a despeito de o termo ser maior e pouco prático, penso que elucida melhor o conceito que se dispõe a representar.) Além disso tudo, a obra retrata um pouco da cultura e sociedade peruana da década de 50 do século passado, sobretudo, claro, da capital, Lima.
Bem, todas essas características citadas acima atestam a enorme riqueza do livro. A narrativa de Llosa é leve na medida certa. O autor conduz e desenvolve a história de maneira muito fluída e agradável. O livro é gostoso de se ler. Essa foi minha segunda leitura do autor. Gostei bastante do livro, quase atribuí cinco estrelas a ele. De modo geral achei este ligeiramente melhor do que Travessuras da menina má, o outro dele que li. Com certeza procurarei explorar outras obras do escritor no futuro próximo.