Elis 24/10/2020
Uma leitura indigesta e necessária
Eu me lembro perfeitamente quando li pela primeira vez o relato de Anne Frank em uma atividade da escola.
Naquela época, apesar de entender que a situação pela qual Anne e sua fami?lia passara foi algo horri?vel, eu não era capaz de compreender de fato o que foi o holocausto. Uma mancha sangrenta e vergonhosa em nossa história.
Eu reli o diário de Anne Frank algumas vezes na vida e sempre que termino a leitura, sinto um gosto amargo na boca.
Fiquei surpresa quando me deparei com esse livro em questão: ?Eu sobrevivi ao holocausto? de Nanette Blitz Konig, uma das pessoas com quem Anne estudou e que chegou a encontra-la, já em seus dias finais, no campo de Bergen-Belsen (e que hoje mora no Brasil).
Esse relato e? um tapa na cara e um soco na boca do esto?mago. Você sente azia enquanto está lendo e parece que seu corpo se manifesta fisicamente pedindo para parar.
Eu já li muitos relatos de sobreviventes do holocausto e esse foi um dos que me tirou o sono.
Nanette foi libertada de Bergen-Belsen aos 16 anos, era um pouco mais que uma menina e já carregava dentro de si tantos traumas, tantas perdas, tanta dor.!Bergen-Belsen na?o era um campo de extermi?nio, no entanto, milhares de pessoas morriam la?. Na?o havia ca?mara de ga?s, mas havia fome, humilhac?a?o, doenc?as, subnutrição, descaso... tudo no ápice da maldade humana.
Durante a narrativa acompanhamos a infa?ncia feliz de Nanette, o surgimento do medo, a deportac?a?o, a perda da sua humanidade e da sua identidade, a perda dos seus familiares e de todos que amou... e aos poucos vemos essa mulher tão resiliente reencontrando a sua forc?a e a sua humanidade. E? impossi?vel na?o chorar em alguns trechos e não sentir uma revolta imensa, há coisas que meu cérebro simplesmente não consegue processar.
Relatos como esse na?o sa?o feitos para que pensemos que Nanette, e outros sobreviventes do holocausto, tiveram um final feliz. Na?o ha? final feliz para quem esteve nos campos de concentração e extermínio, o trauma é marcado na pele e na alma. Na verdade, os sobreviventes apenas tiveram o direito de ter um final, final esse que pode ser marcado por momentos de felicidade, sim, mas tambe?m com muitas cicatrizes profundas e dolorosas.
Por isso que nunca devemos deixar essa histo?ria morrer. Nunca!
Esquecer-se de tudo o que aconteceu, jamais! A histo?ria nunca mais pode se repetir e o coração se enche de medo em tempos em que o o?dio e a intolera?ncia continuam a ganhar espac?o.
Sendo assim, fica a indicac?a?o para quem se interessa em estudar sobre o holocausto e ouvir a voz daquelas pessoas que - no passado - foram tão cruelmente caladas.
Muitas - seis milhões, na verdade - para sempre, infelizmente, mas cada sobrevivente é porta voz da dor de um povo e do pior momento que já ocorreu em nossa história. O holocausto se findou há 70 anos e me desespera pensar que daqui um tempo não haverá mais sobreviventes para contar a sua história. Caberá, então, a nós a missão de perpetuá-la para que ninguém tenha de se calar novamente.