Dhiego Morais 19/04/2017AbominaçãoCruel e Impiedoso. Whitta não poderia ser menos quando o assunto é Abominação, o mais novo lançamento da DarkSide Books. Abordando de vikings a magia negra, o romance de estreia do autor é recheado de sangue e adrenalina; além de muito suspense. A magia, agora, abraça a história, enquanto somos levados, já sem fôlego, por um túnel em que o passado é reconstruído. De fato, devo admitir, me surpreendi com a leitura!
Whitta não é desconhecido do público, já que os seus principais trabalhos como roteirista premiado incluem as adaptações de O Livro de Eli, The Walking Dead e Star Wars: Rogue One. É, talvez, a sua experiência com uma escrita mais técnica e acelerada a razão que torna Abominação um romance intenso... e visceral.
A história se passa durante o século IX, em um dos períodos mais sangrentos que a Inglaterra viveu: as invasões vikings. É necessário antes esclarecer que os daneses e a sua fome por conquistas são apenas um plano de fundo para uma trama que navega nas águas profundas da fantasia e do gore. De maneira geral, Abominação é uma mescla de ficção histórica, fantástica e de suspense.
Alfredo, o Grande é rei de Wessex, o único e último reino a resistir contra as invasões vikings. Com um saldo de batalhas vencidas não muito positivo, Wessex pendura-se precariamente sob o fio do machado, até a batalha de Ethandun, quando um acordo com os bárbaros finalmente se aproxima mais da realidade.
“’Eu vi coisas’, disse ele por fim, a voz não mais que um sussurro. ‘Coisas que me levaram a questionar minha fé. E talvez façam questionar a sua’”.
Abominação fica singular a partir do momento em que a figura de Aethelred, arcebispo da Cantuária surge em cena. Extasiado pela descoberta de pergaminhos arcanos, o religioso acredita possuir a chave para a conjuração de um exército salvador, abençoado por Deus, afinal, quem exceto Ele teria posto tais artefatos nas mãos da Fé? Tais documentos, em linguagem arcaica, possuem encantamentos que, se pronunciados e realizados da maneira correta, são capazes de invocar seres bestiais de dentro de seres vivos; algo como se a própria escuridão brotasse de todos aqueles com alma.
“Algo irrompeu da barriga do porco, o sangue espirrando pelo chão. Vários expectadores berraram, apavorados, e aqueles que estavam mais próximos se afastaram, nauseados quando outra excrescência brotou do corpo do porco, em seguida outra, cada uma brilhando com o sangue escuro e viscoso enquanto se desdobrava e tomava forma”.
Tais procedimentos despertem curiosidade e medo daqueles que presenciam as cenas. Aethelred e uma equipe de religiosos ficam responsáveis pelos experimentos. No entanto, a sua busca incansável pelo controle de criaturas nascidas do enxofre e saídas de um casulo de carne humana e animal o levará por caminhos sinistros, e que, inevitavelmente, se chocarão com os interesses da Coroa e da Igreja.
O livro é dividido em duas partes principais: a primeira, conta sobre o descobrimento dos velhos pergaminhos, seus feitiços e as ofertas de Aethelred. Já a segunda parte trata das consequências desse evento, quinze anos depois. Nesta última, novas personagens são introduzidas, sendo Indra o grande destaque.
Cuthbert e Wulfric são exemplos de personagens que inevitavelmente possuem a capacidade de aguçar a empatia e a curiosidade dos demais leitores, merecendo destaque.
O que Gary Whitta faz em Abominação é algo que cruza o limiar entre a fantasia e o horror. Valendo-se de um momento histórico recheado de batalhas e conflitos religiosos e políticos, o autor não poupa esforços a fim de construir um cenário já conhecido do público, ao mesmo tempo em que o transforma e o converte em algo ainda mais sombrio, enevoado e sangrento. As páginas avançam, a esperança rareia e uma nova mitologia é soerguida.
“A força verdadeira não estava em subjugar os inimigos, mas de conquistar o adversário que estava dentro de si”.
Como Whitta já trabalha há um bom tempo com o universo das adaptações e do cinema é perceptível o quanto Abominação tem ares de filme, ou até mesmo de série televisiva.
Em Abominação, conhecemos as mentes deturpadas que macularam a própria Fé; somos apresentados a figura de um homem que, embora possuísse habilidades de batalha formidáveis, odiava e não compreendia a necessidade de se tirar vidas, quando desejava apenas viver com sua família; e também encontramos a representação de uma mulher atípica para sua época, corajosa, habilidosa e completamente independente, buscando se provar frente a uma sociedade patriarcal.
Abominação é sobre a verdadeira natureza da crueldade; sobre expor a própria alma. O Mal vive dentro de cada um. Se ele fosse exposto, você seria capaz de controlar a criatura?
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