ricardo_22 07/03/2016
Resenha para o blog Over Shock
Enquanto Bela dormia, Elizabeth Blackwell, tradução de Vera Ribeiro, 1ª edição, São Paulo-SP: Arqueiro, 2016, 368 páginas.
A inveja e os conflitos de interesses podem prejudicar o reino para sempre. A única forma de isso não acontecer é se o rei tiver um herdeiro que dê continuidade ao seu poder, no entanto o maior empecilho é a infertilidade do casal. Sem ter outra alternativa, a rainha Lenore recorre aos supostos poderes mágicos de Millicent, a tia de seu marido, e assim nasce a princesa Rosa, uma menina saudável que se torna descendente do trono.
O que deveria ser motivo de festa se torna um problema tão grande quanto o anterior. O rei acaba expulsando Millicent de suas terras e em toda a sua arrogância ela promete se vingar, ameaçando a vida da jovem princesa. A família real então adota medidas para proteger Rosa e é Elise, a dama de companhia e confidente da princesa, quem tem a responsabilidade de mantê-la viva. Custe o que custar.
“Nas histórias, bastava um beijo para selar o amor eterno, porém Marcus não se mostrara extasiado nem declarara sua devoção. Eu não era uma heroína de contos de fadas, falando em forma de rimas elegantes, e ele estava longe de ser um príncipe. Como é que duas pessoas assim entendiam o que se passava no coração uma da outra?” (pág. 151).
Não é de hoje que o mercado do entretenimento vem apostando suas fichas nas releituras dos contos de fadas. A série “Once Upon a Time” está aí para provar que a tendência é que essa moda continue ainda por alguns anos. Em todos os casos, na literatura ou mesmo no cinema/televisão, as histórias que tanto conhecemos são modificadas e às vezes até perdem a essência original, mas e se em uma releitura os contos de fadas fossem um mero e insignificante detalhe? É o caso de Enquanto Bela dormia.
O livro de Elizabeth Blackwell é o melhor exemplo de que uma história tão conhecida quanto a da Bela Adormecida pode ser muito mais do que apenas uma maldição quebrada com um beijo de um verdadeiro amor. Tanto que embora as referências estejam presentes desde o prólogo, quando a narradora cita a fama da princesa, esta obra está mais para um romance histórico do que propriamente para uma releitura. E aí que está não apenas o seu diferencial, como também o seu brilho.
Como romance histórico o enredo pede uma riqueza de detalhes indispensável para o entendimento de tudo que envolve a trama, que não é simplesmente o risco que corre a princesa Rosa. A consequência disso é uma primeira parte mais lenta e com poucos acontecimentos memoráveis, mostrando aos poucos como a narradora Elise se adaptou a uma vida completamente diferente da que estava acostumada e como ela se tornou tão importante para o desenvolvimento da história.
Elise é uma narradora agradável, mesmo ao descrever suas questões amorosas — o que pessoalmente é mais do que bem-vindo —, mas o seu ponto forte é a maneira como relata o dia a dia de seu trabalho, sendo eficiente ao retratar todo o funcionamento do castelo e a sua relação com as personagens, sejam elas de sangue real ou simples criados. Essa característica afirma porque mais do que uma releitura este é um romance histórico, afinal explora muito bem as batalhas e as questões políticas e sociais que em outrora poderiam existir mesmo nos reinos reais.
Essa relação com o mundo real ganha um peso diferente devido aquele que aparenta ser o grande objetivo de Blackwell: desmitificar os contos de fadas. Eles podem ser belíssimos do modo como são repassados geração após geração, mas nada impede que suas versões tenham sido modificadas explorando uma irreal fantasia e criando heróis e vilões — como a desprezível Millicent —, então por que não deixar tudo o mais real possível? Se este era o objetivo da autora, pode-se dizer que ela o alcançou com brilhantismo, visto que tudo se encaixa perfeitamente e os detalhes da fantasia possuem explicações convincentes.
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