helmalu 27/06/2016Divertido e muito bem narradoEm Outro conto sombrio dos Grimm, o escritor/narrador Adam Gidwitz nos conduz ao lado de João (aquele do pé de feijão!) e Jill, sua prima (você estava pensando que seria a Maria? Aqui nessa estória Maria é um menino!).
Tudo começa quando Jill é forçada a usar pela sua mãe, a rainha, um vestido de seda. A questão é que essa seda, tão especial que ninguém podia vê-la, na verdade não existia, e a princesa Jill foi humilhada na frente de todo o reino. Já João, que prometeu vender a vaca Leitosa por cinco moedas de ouro, na verdade acabou a trocando por uma semente de feijão mágico, o que deixou seu pai furioso.
Os primos, depois de decepcionarem seus respectivos pais, decidem fugir subindo no pé de feijão que foi plantado por uma senhora misteriosa, que pediu em troca, que buscassem um espelho mágico para ela. Lá em cima, encontram gigantes, depois sereias, a seguir, duendes e por aí vai. Perpassando pelas estórias de vários outros contos de fadas, os dois, João e Jill, em companhia do sapo Sapo (o nome do sapo é Sapo, gente, e ele fala, obviamente) passam por diversas ameaças e embarcam numa viagem de autoconhecimento.
“Seu lar é onde você pode ser você mesmo.”
Seguindo a tradição dos contos de fadas originais, Gidwitz teceu uma narrativa recheada de referências a outros contos de fadas, como os da Mamãe Gansa, A roupa nova do Imperador, A princesa e o Sapo e muitos outros, em que a cada capítulo, iniciados com “Era uma vez” ou uma frase do tipo, o leitor se depara com uma referência diferente. O interessante é que, ao final do livro, o autor detalha de onde se inspirou em cada passagem do livro e quais capítulos são originais, ou seja, escritos sem nenhuma interferência de estórias já escritas. Além disso, ele manteve a essência sinistra e apavorante dos contos de fadas, porém, deu um toque de humor muito oportuno e que deixou a leitura divertida e demais.
“João levou uma vaca à feira do mercadinho,
“Encontrou um trapaceiro no meio do caminho!
O garoto mais burro de toda a região,
Trocou sua vaca por um feijão!”
Não posso deixar de citar as interrupções do narrador – que nessa estória usa a voz do próprio autor – que são muito, muito, muito engraçadas. Eu ria demais, como uma criança, com as passagens do narrador tentando explicar alguns absurdos ou pedindo desculpas por alguma parte nojenta ou cruel da narrativa:
“Vocês querem dizer essa palavra, não querem? [...]
É assim:
AI-DEC-CÊ VON FÓI-ER, DER MEN-CHEN FLAICH-FRÉS-ENDE.
Viram? Não foi tão ruim.
Agora, espero que vocês a pronunciem toda vez que eu a escrever, porque levo um minuto e meio para digitá-la e, se vou ter todo esse trabalho, é melhor que vocês também o tenham.”
Além da estória, que eu não tinha como dar menos que cinco estrelas no Skoob, a edição também merece um comentário à parte: é cheia de ilustrações que remetem à passagens da narrativa, com páginas amareladas e letras agradáveis para a leitura, a edição da Galera Junior está de parabéns. Ponto positivo também para a revisão, impecável.
***
Ao ler Outro conto sombrio dos Grimm, e também relacionando essa leitura a alguns teóricos que li no curso de Letras, como a Regina Zilberman e Teresa Colomer, fiquei pensando como foi que contos de fadas como os de Grimm e Hans Christian Andersen foram cair nas graças do público infantil. Pois, pensando aqui com meus botões, os contos de fadas originais remetem a muitos séculos atrás, já a literatura infantil é um advento recente, então, como um gênero que não foi escrito para crianças, hoje, é considerado literatura infantil? Quem foi que teve a ideia de transformar contos com temáticas como estupro, violência, crueldade, trapaças e maldade em estórias para crianças? É interessante pensar como estórias que eram da tradição oral, contadas entre adultos, depois escritas em forma de narrativa e consagradas nos nomes de Andersen, irmãos Grimm, Perrault etc., hoje, são associadas à crianças. Como diriam alguns professores meus: “Isso dá um TCC!”
site:
http://leiturasegatices.blogspot.com.br/2016/06/outro-conto-sombrio-dos-grimm-adam.html