Lucio 17/05/2019
As Articulações da Atividade Teórica
Esta é uma obra já de maturidade de Foucault. Ele estava ingressando no Collège de France, e esta é sua palestra inaugural que explica seu método filosófico crítico-histórico para não apenas ilustrar o que ele já havia feito como para anunciar o que pretendia fazer.
Foucault escreve para explicitar todos os mecanismos de cerceamento e direcionamento da atividade teórica, bem como uma elevação para acima disto. É como que um mapa das gênesis e formas de transcender os paradigmas estipulados para toda elucubração. Ele lista e discursa brevemente sobre os tipos de procedimentos de controle e cerceamento do discurso (interdição, segregação e imposição da vontade de verdade; princípio de autoria, comentário, disciplina; ritualística, sociedades de discurso, apropriação social do discurso). Depois observa que alguns temas filosóficos provocam a supressão do discurso paradigmático no qual a atividade teórica emerge, a saber, o tema do sujeito fundante, o da experiência original e o da mediação. Esses procedimentos escondem a origem discursiva dos produtos espirituais. Para superar tal elisão, propõe quatro princípios metodológicos: a inversão, segundo o qual a origem de um discurso é vista não como abertura da compreensão do mundo, mas o cerceamento da atividade teórica; depois vem a identificação da descontinuidade dos discursos, mas não como se houvesse um grande discurso no qual houvesse um recorte; depois ele nos orienta a suspender a suposição de que o mundo contribui para o nosso conhecimento, propondo que nós, na verdade, ao elaborarmos o discurso, estamos impondo sobre o mundo uma percepção; por fim, propõe que não nos detenhamos na lógica interna de um discurso, mas que o analisemos de fora, pela exterioridade.
Assim, a historiografia das ideias sofre um deslocamento e ele propõe que ele seja crítico-genealógico, i. e., crítico usando método de inversão e genealógico usando os demais métodos. Assim, se vê que o discurso surge como acontecimento, prescindindo não só sua unidade mas também sua orientação temporal. Ele surge a partir de um diálogo com um paradigma estabelecido e estabelece (ou reforça) um paradigma. Assim, é preciso analisar as condições de seu surgimento ao mesmo tempo em que se nota as formas de sua manutenção, os novos instrumentos de cerceamento criados e sua fecundidade.
No final, compreendemos a tese mestra de Foucault, i. e., a funcionalidade do discurso como instrumento de poder. A elaboração teórica, para ele, não passa de uma perspectiva sobre o mundo que, por sua vez, nega as demais e tenta se impor, por uma variada gama de mecanismos sociais e psicológicos, sobre todos os indivíduos.
Como forma de identificar as formações teóricas, o livro é excelente. O problema é que falta a Foucault um fundamento epistemológico último pelo qual realmente se abarca a totalidade da realidade. Ele mesmo, em seu discurso, pretende-se meta-discursivo, caindo numa contradição amplamente alardeada por seus críticos. Mas isso não invalida suas observações sobre como a atividade teórica se coloca socialmente. Só não houve uma proposta de como tudo isso serve à busca da verdade. Para repetir a título de ressalto, faltou-lhe uma epistemologia transcendental última - como as propostas por Van Til, Dooyeweerd e outros.