Tiago sem H - @brigadaparalela 26/12/2016Enclausurado é o mais recente romance escrito pelo autor inglês Ian McEwan e tem sua inspiração na peça Hamlet de Shakespeare, porém, a narrativa é toda exposta pelo olhar de um feto. Se você já leu ou ouviu falar de Hamlet, já deve saber do plot principal da história (ou se você leu a sinopse acima): o tio que planeja a morte do pai auxiliado pela mãe. A grande novidade e que deixou todas as pessoas curiosíssimas para ler Enclausurado é sem dúvidas o narrador. Enquanto que no clássico Memórias Póstumas de Brás Cubas, tínhamos um narrador que já estava morto, aqui temos um narrador que ainda irá nascer. Será que Enclausurado teria a mesma prospecção e poderia se tornar um clássico futuramente? Essa é a segunda obra do McEwan que leio, a primeira foi Reparação que também tem post aqui no blog.
Mesmo acompanhando a história pelo ponto de vista do feto, não ficamos totalmente ausentes das notícias que se passam ao redor dos personagens adultos, já que pelas "paredes" da barriga, o bebê consegue ter um certo vislumbre do mundo que o espera, e é um mundo muito complicado. Da mesma forma que em Hamlet temos o famoso questionamento "ser ou não ser, eis a questão", aqui, McEwan também assume em alguns momentos, um ar filosófico. Pelo narrador ser um feto, pode-se fazer a alusão de que a narrativa tome um ar infantil, mas aqui não! Se cercando de informações sobre guerras, economia, questões sociais, política, enfim, da humanidade, o bebê irá se indagar da desvantagem de sair de um lugar em que está protegido para se expor a um mundo hostil.
Hostilidade essa, vivida até mesmo em seu próprio lar. Ele sente uma violência a ele próprio ao fato de sua mãe fazer sexo com seu amante, a poucas semanas do fim da gestação, afinal, o espaço interno não comporta; e ao fato de sua mãe beber tanto vinho durante a gestação, que ele se torna um sommelier (um profissional em bebidas alcoólicas). Ao perceber o macabro plano de assassinar o pai, o bebê planeja meios para salvá-lo, mas o que um feto pode fazer para interferir na vida externa?
McEwan brinca com o leitor. Ao vermos a história pelo ponto de vista do feto, ao passo das sensações vividas por ele, também somos induzidos a seguir a mesma linha de emoções. Não no que tange a mãe. Ela, juntamente com o tio são pessoas horrorosas, mas principalmente no que se refere ao pai. O pai é um pobre poeta que está cercado por víboras que planejam sua morte. No entanto, o feto (e você leitor) irá perceber que talvez esse amor para com o pai, não seja tão forte assim.
Geralmente lemos histórias contadas por um narrador que não faz parte da história e portanto, não pode intervir, mas com Enclausurado é diferente. O bebê de uma certa forma, faz parte da história, mas ele também não pode intervir diretamente nos acontecimentos da mesma. Se divagarmos e pararmos para pensar que estão planejando matar seu pai, enquanto você é um feto e não pode fazer nada, apenas ouvir e torcer para que o plano dê errado, é muito, muito angustiante e isso leva a outro ponto: o plano dando errado, sua mãe será presa e ao prejudicá-la, você estará se prejudicando, afinal, você é 100% dependente dela.
Se você já leu algum livro do McEwan, poderá esperar o mesmo tratamento com as palavras que são marca registrada do autor. Ele consegue se expressar com um vocabulário rico, e ao mesmo tempo acessível a todo o público, juntamente com uma profundidade do texto e, mesmo que o plot da história seja clichê (mãe e amante planejando a morte do pai), o maior (e talvez, único) diferencial é sem sombras de dúvidas, o narrador.
Por fim, Enclausurado é um livro com uma narrativa envolvente, uma escrita fluída que consegue mesclar um ar poético com humor e ironia e que vale a pena ser lido, afinal, "ainda está para nascer um narrador como este".
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