spoiler visualizarRonaldo Thomé 11/10/2021
(...) um tom mais claro de palidez(...)
A princípio, essa obra me causou certo estranhamento - como aquele álbum meio deslocado da banda antiga que você adora, ou mesmo da letra surrealista da música citada acima (que dá nome a um dos contos).
Por quê? A Noite Escura e mais Eu, à primeira vista, tem (muito) menos elementos do Realismo Mágico do que outros textos da autora. Pode ser, também, pois afinal ele veio bem mais tarde na carreira da autora (em 1995), quase 20 anos depois de seus principais clássicos.
De fato, Lygia aqui tem uma abordagem mais pé no chão e com menos proezas narrativas; alguns contos são mais áridos e exploram pontos de escrita um pouco diferentes. Por exemplo, "A Rosa Verde", na qual vemos uma menina que, tendo acabado de ficar órfã, recupera na memória a relação conturbada com sua avó e o irmão - buscando, em parte, apoio no avô. No entanto, mesmo essa criança é capaz de fazer coisas bastante duvidosas e descontar sua mágoa de forma sombria.
Nessa mesma linha temos o conto "O Segredo", em que uma menina trava um tenso dialogo entre duas mulheres, quem moram no que parece ser um bordel. Aqui, temos uma sensação de tensão palpável, na qual alguma coisa parece fora do lugar - e garanto que você continuará pensando isso ao final do conto(...).
"Papoulas em Feltro Negro" e "Uma Branca Sombra Pálida" trazem uma sensação parecida, em especial o primeiro. Ambos tratam do sentimento de inadequação e da tensão perante os acontecimentos da vida, muitas vezes ligados à crueldade e à sensação de impotência perante o que nos acontece. No primeiro caso, a conclusão é reflexiva, no segundo trágica.
Mas, obviamente, um grande escritor sabe deixar sua marca. E já que estamos falando de Lygia Fagundes Telles, era impossível que isso não acontecesse. Portanto, aqui há espaço sim para, por exemplo, o mistério (Dolly, o meu favorito do livro - com algumas descrições gráficas de violência); a construção gradual que se encerra num poderoso plot twist (Boa Noite, Maria); o inusitado e quase surrealista (O Crachá nos Dentes e Anão de Jardim) e até alguns tabus, ligados à sexualidade e vingança (Você não acha que esfriou?).
Enfim, não deixa de ser um belo trabalho, que, mesmo achando um pouco destoante do resto da obra da autora, não deixa de ser uma ótima opção de leitura, que vale a pena tanto para os seus fãs quanto para novos leitores.
Indicado para: quem quer conhecer a forma como uma autora consagrada pode explorar novos caminhos, ainda assim, se manter fiel ao seu estilo.
Nota: 10,0 de 10,0.
Dica: leia ouvindo isso - https://youtu.be/93K0tlGP98Y