Maíra 01/10/2018Apenas uma garotaApenas Uma Garota é uma história propositalmente simples. O caminho de Amanda é relativamente linear e possui dois grandes pontos traumáticos e transformadores, um em seu passado, ao qual temos acesso aos poucos através de capítulos em flash-back, e um que ocorre no trecho final do livro. Mas é uma obra muito bem realizada e é na sua beleza simples, no fato de que ela consiste na história de uma garota comum, que ama quadrinhos, videogames e desenho como tantas outras, tentando sobreviver à adolescência, que reside seu trunfo.
Acompanhamos a protagonista em um momento delicado em que, depois de muita dificuldade em entender-se e aceitar-se enquanto uma jovem trans, ela sabe quem é neste sentido, mas ainda é apenas uma adolescente com muitas outras dúvidas, tais como a carreira que irá seguir e o tipo de relacionamento que ela será capaz de ter com pessoas que não necessariamente então prontos para aceitá-la por completo. Seu próprio pai, conforme vamos descobrindo ao longo da leitura, ainda tem dificuldades em lidar com o fato de que esteve durante anos criando uma filha, e não um filho, e é interessante observar como se dá este processo e como eles vão, aos poucos, encontrando uma nova forma de se relacionarem.
Como a própria autora ressalta em sua nota, no entanto, existem infinitas formas de viver a experiência de ser trans, e não há a intenção de transformar Amanda em dogma ou parâmetro. A própria autora é uma mulher trans, mas isso não significa que a experiência da personagem tenha sido a sua. O modo de ser de Amanda enquanto trans é propositalmente simples para que haja espaço na narrativa para que a sua leitura nos leve a compreender melhor a sua condição e, a partir disso, nos inspire a ampliar nossas noções, muitas vezes equivocadas, sobre gênero e sexo.
Na minha opinião, é exatamente isso que o livro consegue realizar, pois nos mostra claramente que o modo como lidamos com nossas diferenças, sejam elas relativas ou não ao nosso gênero, reflete uma escolha disponível a todos nós: podemos odiar, negar e temer a diferença ou podemos fazer um esforço para compreendê-la. E, o mais interessante da história de Amanda, é que não é necessariamente as pessoas que esperamos que fazem a escolha da compreensão. Muitos fazem a escolha do ódio.
Eu gostei bastante da edição, principalmente da diagramação do texto e do modo sutil pelo qual os capítulos que se passam no presente são distinguidos daqueles narrados em flash-back, mas achei que, embora muito bonita, a capa vende uma história um pouco mais sombria, mais adequada a um thriller, por exemplo, do que a história com a qual nos deparamos. Além disso, senti que a tradutora, em alguns momentos, fica muito apegada a uma tradução literal e esquece, por exemplo, que nós não temos a tradição do Homecoming Dance e, portanto, traduzir este termo por “baile de boas-vindas” não acrescenta muito ao leitor.
O modo como Russo mantém a história da protagonista simples e interessante faz com que o livro não seja tão pesado e educativo quanto outros que tratam deste tipo de temática. É um livro muito prazeroso de ler, com uma escrita fluida e que engaja o leitor com facilidade. Assim, é o tipo de história que vai agradar tanto àqueles em busca de uma obra que trabalhe a temática trans quanto àqueles que estão simplesmente em busca de um romance jovem adulto (YA) gostoso de ler e que, ao mesmo tempo, foge um pouco dos padrões.
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