@literatoando 10/05/2020sobre o amor materno, mas mais que isso - ig:@litera.toandoO livro, escrito por uma das mais conhecidas autoras negras dos EUA, tem cunho autobiográfico. Em primeira pessoa, Maya vai relatar a construção do relacionamento dela com sua mãe, Vivian Baxter. Desde muito nova, com a separação dos seus pais, Maya e seu irmão mais velho tiveram que ir morar com a avó paterna, onde eles quase não tinham contato com seus genitores. Aos 13 anos, a pedido da mãe, eles vão morar com ela. Maya, então, nos conta como foi difícil para ela se adaptar a ter a mãe por perto, como ela lidava com o sentimento de rejeição e como parecia que para o irmão dela era tão fácil, abordando as diferentes formas de lidar com o abandono parental, mesmo que este tenha sido temporário. Essa obra, que foi a última publicação da autora, vai transitar por diversas temáticas de acordo com o decorrer da vida dela, mas o eixo principal é o relacionamento de mãe e filha. Mesmo quando ela começa contando uma história que parece não ter nada a ver com a sua mãe, lá na frente a gente descobre que Vivian era a peça fundamental, ela que solucionava os problemas, ela que sempre incentivou a Maya a mostrar seus talentos, a ser independente e o mais livre que ela poderia ser. Então, a sensação que eu tive, desde o iniciozinho é que esse livro é, sobretudo, uma história real de amor, mas não é só isso.
A obra autobiográfica atinge pontos que extrapolam os limites desse relacionamento parental. Maya fala sobre a segregação racial nos Estados Unidos e como isso atingiu sua vida pessoal. A sua avó paterna morava no Sul extremamente segregado e quando seu irmão, Bailey, completou 14 anos a necessidade de eles irem morar no Norte com Vivian se tornou mais urgente, já que essa era uma idade perigosa para um homem negro simplesmente existir naquela região dos EUA. Sobre o homem negro, Maya também conta histórias a respeito de sua família em que é perceptível, a uma leitora (ou leitor) atenta, notar a construção da associação prejudicial do homem negro à força e à autossuficiência, aquele que não pode pedir ajuda nunca e nem demonstrar fragilidade. A autora toca, mais explicitamente, em assuntos como racismo recreativo, em que ela narra situações de zombaria feitas pelo simples fato dos seus traços, seu cabelo e sua cor existirem em um ambiente que as pessoas brancas consideravam inadequado; e, racismo estrutural, dentro disso ela destaca sem pudores o privilégio branco, que podia acessar lugares que ela precisava se esforçar muito mais para chegar perto. Traz também relatos de abusos de todos os tipos (sexual, físico, psicológico) sofridos por ela em relacionamentos com homens que passaram por sua vida. Sobre sexualidade, a autora aborda o privilégio da heterosexualidade, quando ela fala sobre uma das poucas referências lésbicas que ela tinha na adolescência, advinda de um livro que ela leu e as mulheres lésbicas nele eram retratadas como pessoas extremamente infelizes.
Um assunto interessante e que ainda hoje movimenta as discussões é o relacionamento afrocentrado e a autora além de dar uma pincelada nesse aspecto, aprofunda nas dificuldades do relacionamento interracial quando a pessoa branca desvaloriza e ignora o peso da cor dentro da relação, já que o parceiro ou parceira passará por situações que a pessoa branca jamais entenderia. Essa incapacidade de compreensão da branquitude em assimilar as demandas da pessoa negra se repete também com profissionais da saúde em situação narrada pela autora. Ainda sobre o tema supracitado, em conversa com a mãe sobre a questão interracial do relacionamento da Maya com um homem branco, Vivian diz uma das frases mais incisivas sobre esse tema: ?Que diabo ele vai te oferecer - o ódio da gente dele e a desconfiança da sua??. Tópicos como a construção da mulher negra tendo que ser forte, sem nenhuma outra opção e as angústias dessas mulher em maternar com duplas ou até mesmo triplas jornadas de trabalho são recorrentes.
Um livro autobiográfico forte, com lições de vida importantíssimas, mulheres negras retratadas em toda sua potencialidade, exaltando as dores e alegrias de ser o que são. A importância do apoio materno e a mãe dela, Vivian, como referência torna tudo ainda melhor, porque ela era foda. Este foi um dos melhores do ano, com toda certeza, 5 estrelas de 5.