I. de Rohan @izabelderohan 21/11/2021
Tão humano que dá nojo
Em 2017, eu li “Cat Person”, conto de Kristen Roupenian publicado no The New Yorker. Fiquei chocada com a brutalidade sensível e ao mesmo tempo descarada da autora. Como alguém podia escrever algo tão honesto sobre a sociabilidade feminina e masculina?
Alguns anos depois, encontrei seu livro na Travessa do Rio de Janeiro e o abri em um conto qualquer. A história era de uma mulher jovem, namorando um homem que ela tinha interesse, mas ele achava que a qualquer momento ela poderia escapulir. De repente, ela começa a ter uma coceira no braço. Essa coceira vai se alastrando, espalhando-se e ficando mais e mais insuportável, até ela começar a se ferir. A mulher vai a diversos médicos, começa a procurar especialistas; toma todos os remédios possíveis, não consegue mais trabalhar, se divertir, conversar, mais nada e também nada resolve o problema que só piora até ela ficar de cama e a coceira estar em todos os pontos do corpo, fazendo-a perder cabelo e pele. Eu fiquei muito interessada no conto, mas parei aí. Não sei por quê. Não consigo me lembrar o que me impediu de terminar. Talvez me sentir uma parasita ali no meio da livraria lendo um livro que não ia comprar. Eu sabia que estava no fim. Eu ia descobrir como a autora escolheu finalizar, saber quais foram as últimas palavras que ela selecionou para impactar o leitor, passar a mensagem que queria através daquela analogia, mas... não terminei de ler, ali em pé no meio da Travessa fechei o livro.
Fiquei pensando nesse livro por muitos anos, nesse conto em especial. Pensando em como eu finalizaria; no que aquilo significava. Hoje terminei o livro e esse conto era um dos últimos. O final foi impactante, inesperado e acho que esse relato, sobre esse conto entre os outros 12, é uma boa forma de descrever os contos de K. Roupenian. Quase todos analogias e situações ou completamente irreais, ou completamente realistas, sempre ficamos esperando pela conclusão, pelo tapa na cara que nunca falha. Até os finais que estavam se desenvolvendo para um grande espetáculo e acabam sendo concluídos de forma mais amena, nos chocam, pela surpresa daquela escolha. Não se engane com as situações irrealistas, elas falam de algo interior muito que real.
Nesse livro você encontra fantasia, mistério, realidade, era uma vez, contos de fada, ficção científica e documentário criminal da Netflix. Com fortes inspirações em Junji Ito, não é para os de estômago fraco, que sentem nojinho e não suportam o desconforto. Todos os contos possuem aquele ranço, nojo, visco humano. Às vezes apelando para o irreal, não-natural, mas sempre dentro da humanidade, sempre falando sobre condições humanas. Leia-os com cuidado e dissecando os entrelinhas.