Euflauzino 21/04/2019Um sorriso nervoso
Claramente me envolvi com Cat person e outros contos (Companhia das Letras, 256 páginas) por causa do infindável debate que causou o conto que deu origem a este livro e através do qual todos os outros orbitam.
Kristen Roupenian – guardem este nome que é muito sonoro, pois ele é quente, muito quente – se tornou conhecida no final de 2017 quando publicou o conto “Cat person” e ele transformou-se rapidamente em um dos mais acessados e debatidos.
E o que este conto teria de tão extraordinário? Ele aponta uma das questões modernas que mais tem chamado a atenção de especialistas que estudam o mundo virtual: a dificuldade que as pessoas têm de se comunicar.
O conto é a história de uma jovem que flerta virtualmente com um homem mais velho. Após um primeiro encontro real e desastroso, por se sentir constrangida, prossegue até um sexo que se mostra ainda pior.
“Margot ficou sentada na cama enquanto Robert tirava a camisa e desabotoava a calça, baixando-a até os tornozelos e só então percebeu que ainda estava de sapato e agachado para desamarrar os cadarços. Ao ver Robert assim, numa posição tão estranha, com a barriga grande, mole, coberta de pelos, Margot pensou: ai, não. Mas imaginar o que seria necessário fazer para interromper o processo que ela havia iniciado era assustador; aquilo ia exigir um tato e uma gentileza que ela julgou impossível canalizar. Não era exatamente medo de que ele tentasse forçá-la a fazer algo que não queria, mas insistir em parar agora, depois de forçar a barra para continuar, a faria parecer mimada e instável, como se tivesse pedido um prato num restaurante e, assim que a comida chegasse, mudasse de ideia e pedisse para devolver.”
Ao abordar temas como relação de poder e consentimento, ideias amplamente debatidas por Foucault, Roupenian acabou por atiçar a brasa que nem sempre está adormecida, mas que tem causado rebuliço na era das redes sociais que é o movimento #metoo. Daí para o estrelato foi um pulinho. Nem é o conto do qual mais gostei, mas que é polêmico isso é.
A escrita de Roupenian é moderna, contemporânea, muitas vezes violenta e levemente escatológica.
“Numa voz meio baixa, rouca, tipo sexo por telefone, como se ela fosse falar a coisa mais excitante, mais errada do mundo, ela disse: “Eu quero que a gente entre junto no chuveiro. Aí eu quero que a gente, tipo, fique se beijando, se pegando. Normal. E aí, depois de um tempo, e essa parte é muito importante, quando eu não estiver esperando, quero que você me dê um soco na cara com toda força. E, depois que você me der o soco, quando eu estiver caída, quero que você me dê um chute na barriga. E aí a gente pode transar”.”
Vamos deixar o puritanismo de lado, aqui é vida real. Sabemos que estas coisas acontecem, pode ser fetiche, pode ser algum distúrbio psicológico, mas negar a existência de situações como esta é tapar o sol com a peneira. Você pode até não ter vivido isto, mas há gosto para tudo no território do desejo. Roupenian desnuda sem piedade.
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