Coruja 19/04/2012Esse ano marca o centenário de morte de Bram Stoker – e que forma melhor de marcar tal acontecimento do que reler aquela que é considerada não apenas sua obra-prima, mas um clássico do gênero do horror? Mesmo quem nunca pensou em lê-lo conhece o sombrio e sedutor Conde Drácula – e, se vampiros já existiam na mitologia e já tinham aparecido na literatura antes, ainda assim, não podemos deixar de sentir que, de verdade, tudo começou ali.
O que é curioso, quando você afinal aceita o desafio e se senta para ler o livro – achando que já sabe o final e por que mesmo que decidiu começar? – Stoker leva por terra a maior arte daquilo que você achava que sabia.
Drácula é um livro surpreendente – da história que conta ao estilo com que é narrado, ele pega o leitor desprevenido e o faz exatamente porque você começa achando que sabe tudo o que precisa saber sobre ele. Você pensa em Bela Lugosi, em Nosferatu e Coppola, mas o conde que nos é apresentado por Stoker não é nenhum desses e, ao mesmo tempo, é todos eles.
Quando Bram Stoker publicou Drácula, em 1897, o público era bem diferente do de hoje. Deixando de lado os pontos óbvios dessa comparação, há o fato de que a figura do vampiro não era então um ícone pop, conhecido e explorado. O horror por trás do que o conde representava era desnudado aos poucos e, mesmo assim, apenas através de sombras e sussurros. Exceto pela primeira parte do livro, quando recepciona Jonathan Harker em seu castelo, Drácula é apenas uma presença, uma ameaça quase invisível, ainda que sempre iminente e mortal.
A ironia é que tendo dado seu nome ao título, e estando por trás de todas as ações orquestradas na história – seja como presa ou predador, causa ou conseqüência – Drácula é o único personagem de quem não ouvimos a voz.
Escrito em formato epistolar, entre cartas, diários, telegramas e notícias de jornal, o livro tem ao mesmo tempo um tom intimista, de quem convida a fazer confidências (pobre Dr. Seward...) e documental, com todos os fatos anotados e cientificamente analisados. Num crescendo de suspense, temos primeiro a experiência de Jonathan na Transilvânia, seguida dos relatos que nos apresentam Mina Murray e Lucy Westenra – e é em torno das duas que toda a ação se concentra – até a perseguição desesperada para parar o conde através do leste europeu.
Drácula é o ápice do romance gótico, com seus castelos sombrios, passagens secretas, paisagens sublimes e heroínas virginais ameaçadas por um vilão maligno (que pode ou não estar enrolando os bigodes). Mas é, ao mesmo tempo, uma quebra dos padrões convencionais, no que traz a trama para Londres – pulsante, viva, moderna – e centra o debate nas ansiedades da época: o medo da vingança colonial, da emancipação e sexualidade feminina e, acima de tudo, na repercussão dos avanços científicos frente às crenças tradicionais.
A ameaça que o conde representa está fundada, em grande parte, nesse embate: sob o império da razão, a realidade das superstições representadas pelo conde Drácula são simplesmente ignoradas. Sem equilíbrio entre fé e ciência – equilíbrio esse traduzido na figura de Van Helsing, o grande mentor por trás da caça ao vampiro – ele está livre para agir impunemente.
Surpreendente, clássico, diferente, atemporal – Drácula permanece fascinante, aberto a um sem número de interpretações e capaz de agradar aos mais diferentes públicos; quer estejam eles atrás de uma grande aventura, quer de reflexões mais sérias. A pergunta então é... e você? Está disposto a arriscar o pescoço e se perder na obra-prima de Stoker?