Rafa 11/09/2022
Caixa de ressonância do mundo
Oyasumi Punpun é especial.
Inio Asano estrutura uma obra baseada nas fases da vida de Punpun Onodera, e se trata de uma vida permeada pela autodestruição, em que viver se torna pior que morrer.
A dor da vida é abordada em atos pequenos ao longo das páginas. As cenas são construídas de uma forma sutil e gradativa, ao ponto de confundir o leitor sobre onde algo começa e onde isso termina. Punpun é um personagem indefeso e forçado a lidar com inúmeros problemas do mundo em uma idade tão nova. Ele presencia o divórcio dos pais, quebra promessas e, no fim, ele se vê sozinho.
Punpun é como uma caixa de ressonância do mundo.
O mangá é cruel. É sincero. É real.
Eu devo ter chorado no meio da história.
A construção dos personagens é imprescindivelmente bem feita, e acho que dá pra dizer que Inio Asano usou da brutalidade do cotidiano para construir um pedaço maciço de arte que derruba até o mais forte leitor.
A infância de Punpun é conturbada.
Por não ter cumprido com uma promessa que fez a Aiko, sua primeira e maior paixão, além de lidar com o divórcio dos pais em uma idade tão precoce, Punpun experiencia um vazio existencial que se perpetua pelo resto da vida, mas ele é só uma criança e não entende nada sobre o mundo, sobre os pais, sobre o amor ou sobre si mesmo. Ele é uma criança perdida no universo, e nem Deus pode ajudar. Mas a adolescência brilha porque Punpun começa a descobrir a beleza do mundo até o momento em que ele se vê afundado na depressão e apatia. O ato de viver se torna ainda mais difícil e distante.
O mundo vai acabar. O mundo deveria acabar. Seria tão mais fácil se tudo simplesmente sumisse. É isso que acontece enquanto Punpun sofre na própria bolha de introspecção: o mundo continua girando e ele torce pra que tudo desapareça. Mas personagens secundários aparecem e as coisas continuam acontecendo. Pessoas morrem, amizades acabam, e talvez, no final de tudo, o mundo finalmente acabe. Não seria um grande alívio ver tudo explodindo pelos ares? Essa é a realidade da confusão, é o conforto do caos. Boa noite Punpun é uma história sobre o caos. Sobre o caos, sobre Deus e sobre dar um tiro na própria cabeça.
Ah, se Aiko soubesse o quanto ela significava. Se ela soubesse o quanto ela era linda. Se Punpun tivesse recebido o mínimo de carinho, e se Shimizu nunca tivesse se juntado àquele homem... Se isso, se aquilo, no fim, tudo quase acaba com uma faca na garganta. E se tivesse dado certo? Teria sido um final melhor, mas até nesse momento Inio Asano brinca com o leitor, instigando as possibilidades e esfregando na nossa cara que nada nunca é do jeito que a gente queria ou pensava que fosse. Se as pessoas fossem melhores, talvez não existisse uma história a ser contada, e tudo não passaria de nada.
Punpun é desenhado como um passarinho desde a primeira página, e ao longo da história ele muda de forma, talvez pra se encaixar com o que se passa dentro da própria cabeça. A degradação dos personagens é intensa. É bruta. É pesada. E é isso que torna Boa noite Punpun tão especial. Nem ele se reconhece agora. O que aconteceu? Por que tudo isso teve de acontecer? De quem é a culpa por tudo isso? Por que ninguém consegue enxergar o óbvio? Por que ninguém pode simplesmente ficar? Todos sempre desaparecem.
Inio asano constrói uma narrativa incrível e destrincha até o menor dos sentimentos. Amor, ódio, tristeza, raiva, paixão, saudade, carência e indiferença. O traço do mangá é sensacional. A arte é extremamente bem trabalhada, e os cenários são, em quase todas as vezes, fotorealistas e extremamente detalhados.
É um mangá que provavelmente vai te destruir por te fazer enxergar o que nem você sabia que existia.
Mas, no fim, você é quem decide. Você colhe o que você planta.