O romance se desloca pelas paisagens Andinas, feito águas caudalosas. Em um mergulho que toca os abismos mais escondidos da experiência latino-americana, José Maria tece o emaranhado complexo de uma sociedade nascida de um encontro entre dois mundos, um choque de civilizações. Ernesto, o protagonista, narrador desse aparente romance de formação, é um jovem de 14 anos e tem um pé em cada um desses mundos. É descendente de europeus, mas foi criado entre índios. As ambivalências não param por aí. Após ter percorrido com seu pai mais de duzentos povoados entre vales e picos nevados, sente suas raízes fortemente arraigadas na região, porém em cada local que tentam se estabelecer, olham-no como um forasteiro.
Vale destacar a tradução para o português de Josely Vianna Baptista, tradução que vence os desafios conceituais de uma obra quase bilíngue, cuja relação entre os sons das palavras é tão significativo quanto seu conteúdo. Os Rios Profundos é, sem dúvida, um dos romances mais importantes entre os que refletem a realidade da América Latina, não só pela profundidade da reflexão e sensibilidade da construção, como pelo encantamento do texto.
O signo do deslocamento que caracteriza esse romance de formação flui do espaço geográfico para o cultural. À deriva entre dois mundos, o do conquistador hispânico e o incaico ancestral, Ernesto cresce em viagens com o pai por paisagens andinas. Em seu processo, ele testemunha a aridez dos fazendeiros brancos e o silêncio e a altiva submissão dos índios colonos.
No internato do vilarejo de Abancay, em que o pai o deixa antes de prosseguir viagem, Ernesto mergulha num torvelinho social complexo, confrontando-se com as diferentes mentalidades dos colegas, clérigos e serviçais, e se distancia dos anseios juvenis. Nesse deslocamento, quando vivencia um motim e o caos social causado pela peste, começa a identificar o caudal de forças naturais e sociais que presidirão sua visão de mundo.
Ficção / Literatura Estrangeira / Romance