willian.coelho. 08/04/2021
Muito antes de Shakespeare
Sófocles foi um dos três grandes tragediógrafos da Grécia clássica (510 a.C - 323 a.C.) cujas obras chegaram à contemporaneidade. Cronologicamente, o primeiro foi Ésquilo, o segundo Sófocles e o terceiro Eurípides, todos nascidos em localidades dentro do domínio de Atenas - que foi o berço da democracia e filosofia. Elementos marcantes das peças deste período estão presentes, tal e qual o uso de máscaras, indivíduos masculinos interpretando personagens femininas, coro e corifeu. As temáticas também são distintas: heróis e deuses da religião greco-romana clássica, profecias e oráculos, enaltecimento do regime democrático (já que o fim do governo do último tirano de Atenas inaugura o período), embates políticos. Trilogia tebana compila três textos de Sófocles em ordem temporal de acontecimentos: Édipo Rei (tido por Aristóteles, na sua obra “Poética”, como a tragédia exemplar), Édipo em Colono (menos conhecida) e Antígona (bastante apreciada pelos professores das disciplinas iniciais do curso de direito).
Édipo rei conta a história da maldição do rei Laio de Tebas, da dinastia dos Labdácidas, que deveria ser morto por seu filho. Centrada na figura de Édipo, rei justo e homem virtuoso, a peça narra sua decadência enquanto busca saber, incessantemente, a autoria de um assassinato. Termina amaldiçoando a si mesmo e, ao descobrir que matou seu pai, casou e teve filhos (Antígona, Ismene, Polinices e Etéocles) com sua mãe (Jocasta), perfura seus próprios olhos para não ver ter de encarar os seus pais no hades. Sófocles, com essa história absolutamente catártica, afirma que não há como fugir do destino, que os presságios da pitonisa são certeiros. “Não deve amedrontar-te, então, o pensamento dessa união com tua mãe; muitos mortais, em sonhos, já subiram ao leito materno. Vive melhor quem não se prende a tais receios”.
A continuação do enredo supracitado está em Édipo em Colono, que discorre sobre a tentativa do desvalido em encontrar um lugar para viver os seus últimos dias e, finalmente, sobre a sua morte. Essa peça - situada em Colono, onde Sófocles nasceu - demonstra a hospitalidade do povo ateniense (focalizada na personagem do rei Teseu, um herói equiparado a Hércules), a importância da caridade e a valorização da família unida (Antígona e Ismene ajudam o pai, enquanto que Polinices e Etéocles se degladiam pela coroa de Tebas, abandonando Édipo à própria sorte). O autor, por se tratar de sua cidade natal, não poupa a trama de elementos sinestésicos, paisagens, fauna e flora; não há, todavia, o impacto dramático existente nas duas outras obras desta trilogia. “Queiram os deuses que jamais a tua lança possa vencer a terra que te viu nascer! Queiram eles também que nunca mais regresses a Argos, rodeada de muitas colinas, e que, ferido pela mão de teu irmão usurpador, morras e, ao mesmo tempo, o mates”.
Antígona, por sua vez, se passa após o retorno das filhas de Édipo para Tebas na tentativa fracassada de impedir que seus irmãos se matem pela posse do trono da cidade (pode ser conferida na peça 7 Contra Tebas de Ésquilo). Creonte, rei interino da cidade, enterra Etéocles com honras fúnebres, mas proíbe, através de um decreto, que Polinices seja sepultado (ficando à disposição dos animais selvagens). Com isso, contrariando a lei imposta por seu tio, Antígona enterra seu irmão e é capturada. É travado um embate entre eles sobre a abrangência do direito do rei sobre as leis divinas que culmina com a sentença de morte de Antígona e, após esse evento, com a desventura de Creonte (ponto trágico). A peça reforça a supremacia dos deuses (aparentemente Sófocles foi muito religioso), o autoritarismo negativo existente fora de regimes democráticos e os limites que um homem (ou o Estado) pode legislar. “Não tenhas, portanto, um sentimento só, nem penses que só tua palavra e mais nenhuma outra é certa, pois, se um homem julga que só ele é ponderado e sem rival no pensamento e nas palavras, em seu íntimo, é um fútil”.
A coletânea trata-se de uma tríade de clássicos bastante antigos; é, por conseguinte, de se esperar um texto pouco convencional. Alguns vocábulos escolhidos pelo tradutor são um tanto raros de serem empregados atualmente, contudo o que pode gerar certa confusão são os termos específicos da cultura grega, como nomes de entidades, por exemplo. Há, também, alguns momentos nos quais o coro entra com um caráter demasiadamente lírico, tornando a experiência mais complexa. Não se pode esquecer que o texto é trabalhado para o teatro, pois, em diversos momentos, se percebe uma adaptação de tempo e espaço que, caso não seja vislumbrado com a ciência de ser pertencente a uma peça, pode causar desorientação. Para finalizar, é válido salientar que constantemente essas obras são revisitadas e dão origem a releituras deveras ricas, tal como o complexo de Édipo de Freud ou o debate sobre direito natural versus positivo.