spoiler visualizarhoneyfields 03/02/2024
Fascinante
Humbert humbert tem a capacidade e dom de dissimular toda e qualquer ação feita pela criança com quem ele passa a viver, e todas as crianças que ele conhece antes dela. me recuso a usar a palavra ninfeta porque essa palavra transforma essas crianças em objetos desejáveis, em mulheres maduras, em pessoas já sexuais, o que me traz de volta ao talento narrativo do autor.
é fácil esquecer que estamos falando de uma menina de 12 anos quando a forma com que ela é descrita é sempre com características adultas, quando todas as suas ações e características são erotizadas por um homem doente. o próprio humbert diz que ele não possuiu dolores (também é fácil esquecer que ela tem um nome), mas sim uma outra versão dela, lolita, que é mais afável, calma e que se encaixa melhor na sua fantasia. dolores já não é mais uma pessoa. ela é uma categoria em um site pornô.
mas o mais interessante, pra mim, é como ele se enxerga. na primeira vez em que ele abusou de dolores, após o ato, ele se parabeniza por não a ter "danificado", e por ter conseguido fazer o que queria sem feri-la. não apenas isso, mas também a capacidade que ele tem de estar ciente de um fato (de que ele é um pedófilo, ele inclusive usa essa palavra mais de uma vez para se descrever) e deturpá-lo para si mesmo, passando a acreditar que o que ele sente por dolores é de fato amor, e não sua mente podre e suja.
ele se vê como moralmente superior, e diz que não é um monstro, mas um romântico. ele escolhe ignorar os choros, as caras feias, as relutâncias e as birras de dolores, e interpreta eles da forma que bem entende, convenientemente lembrando que ela é uma criança apenas quando ela o nega, e ameaçando-a quando ela tenta se afastar. no fim, ele admite que causou danos irreversíveis a ela, embora continue enxergando seus sentimentos como amor, e não partes de sua doença.
por fim, preciso celebrar o autor por sua habilidade com palavras e seu senso de humor interessantíssimo, que me faz querer ler mais de suas obras.