z..... 13/10/2020
Edição Nova Cultural (2003)
Não foi obra empolgante em minha leitura, mas ainda assim, bem ou mal, despertou criticidade interessante, seja em aspectos óbvios para todos ou no subjetivismo de cada um.
Pensando no que expressar, lembrei de duas frases do livro que, em meu entendimento, também são capazes de defini-lo.
A primeira está no Capítulo I (página 11 da edição que li), onde se expressa a temática da obra, quando Zé Fernandes (o narrador) cita pensamento de seu amigo Jacinto (o protagonista):
"O homem só é superiormente feliz quando é superiormente civilizado".
Entendi o romance como uma desconstrução a esse conceito de maneira pragmática, ao acompanharmos a vida de Jacinto, francês de origem portuguesa, vivendo em Paris cercado de luxo e oportunidades almejadas, desfrutando desse glamour e badalação sem contudo encontrar nisso razão existencial ou satisfatória à felicidade. Tem a seu favor o que se considera da mais alta civilidade, que na vida do protagonista tem correlação com a satisfação propiciada pelo materialismo, mas isso não o torna superiormente feliz e muito menos superiormente civilizado. Em termos práticos, nem a leitura de grandes clássicos literários e nem o glamour a seu dispor, ainda que se dedicasse nisso, produziram a tal verdade insofismável da frase.
Na real, pareceu-me que o desencontro com a felicidade não era por outra coisa que não fosse um problema com ele mesmo, vivendo o que lhe falavam que era ideal e não encontrando. O que ele vivia era conformismo, levado por teorias.
Resultado: Jacinto não sentia nada, era um infeliz, adoecendo nesse meio. Um Já(não)cinto.
É de razão existencial e busca de felicidade que o livro fala, ilustra...
A segunda frase está no Capítulo XVI (página 199 da edição que li) em que dois amigos de Jacinto, com humor citadino, falam das mudanças que ele tivera com os ares das serras. Entre os assuntos, a referência à esposa, Dona Joaninha, onde as colocações e fraseados pareceram-me interessantes. No subjetivismo vislumbrei ali também a representatividade do livro em minha leitura:
"Potável, mulher ainda muito potável... Não é todavia o meu gênero... Adocicada, leitosa, pomadada, neve à la vanille!... Ora, esse Jacinto!..."
Achei a colocação de humor sofisticado e criativo. A frase impactou-me nesse negócio de mulher potável, apomadada, neve à la vanille e desafiou-me em querer entender. Oras! Estão numa galhofa sobre a simplicidade dela, que era muito diferente do que existia em suas aspirações. Uma mulher sem o encanto pessoal, elã ou borogodó capaz de atraí-los. Simples... como um sorvete de baunilha (o tal neve à la vanille).
Simplicidade é evidente para todo leitor dessa obra. A história e estética tem disso, com alguns vendo virtudes no fato e outros certo enfado.
A virtude deixo para dissertações de quem conhece a Literatura Portuguesa. Digo apenas que vi relatos críticos enaltecendo o fato, a simplicidade textual, no direcionamento realista que se apresentava em percepções literárias por lá.
Essa simplicidade como leitura não curti (e refiro-me apenas a minha experiência pessoal).
O narrador é sem personalidade, narrando os fatos da forma mais burocrática possível, sem se aventurar em devaneios críticos, ironias, aquela coisa legal de reflexões contagiantes sobre o contexto, sobre as pessoas, sobre as situações... Cadê as digressões?... É um contador sem graça e minha leitura foi perdendo o prazer...
Os melhores textos, conforme esperava, estão no início e fim, onde o narrador é mais sedutor...
Com todo respeito, conheço apenas o Realismo de nossa Literatura Brasileira, onde o Machado de Assis deixa a gente mal acostumado...
Essa simplicidade potável, neve à lá vanille, não é meu gênero também... Que bom que transformou o citadino Já(não)cinto no feliz serrano Jacinto...
Leitura no contexto da quarentena em Macapá...