Aa 29/12/2017
Redimindo Eça
Eça é o Ó. Como outros autores da época, foi influenciado por todas aquelas tendências rançosas do final do século XIX: ateísmo, positivismo, cientificismo, anti-clericalismo, socialismo... todos os ismos detestáveis que ainda nos perturbam. Tudo isso fica claro principalmente na obra que a Fuvest exige para 2019, A Relíquia, que é uma das leituras mais sofridas que fiz na minha vida, de um anti-catolicismo datado e cansativo. Mas este livro é diferente.
O livro trata da relação entre as novidades e modas das grandes cidades (no livro representadas por Paris) e os prazeres simples da vida no campo (as serras de Portugal). Isso por si só parece uma quebra com o Realismo, quase sempre urbano, progressista, se contrapondo aos costumes antiquados e à superstição do modo de vida campestre, onde todos ainda são religiosos e desconfiados. A explicação vem da época da publicação: a obra é póstuma, e Eça, no final de sua vida, já estava cansado das modinhas realistas que ajudou a popularizar e começava a se dar conta de que ele mesmo era, no fundo, português.
O resultado é um livro que contém uma prazerosa elevação dos costumes tradicionais, do agrarianismo, da simplicidade, e todos aqueles demais valores que ainda restavam do Arcadismo já desfalecido. Logo, é uma lufada de ar fresco sobre esses ranços urbanistas dos séculos passados, que tanto causaram sofrimento ao arrancar o homem de seu habitat natural e lançá-lo no concreto, escravo de seus instintos desarraigados e adotados pela sociedade de consumo.
Claro que muita gente não chegará a essas conclusões lendo o livro, preferindo as platitudes recomendadas pelos professores de cursinho, o que provavelmente é uma boa ideia para aqueles que querem passar no vestibular. Mas para quem não sofre mais com essas exigências, fica a oportunidade de explorar esse lado de Eça que pouco é mencionado, lado esse que quase exime sua obra, indubitavelmente primorosa, mas manchada por ideologias caducas.