Coisas de Mineira 04/01/2021
A Sonata Perfeita é um dos mais recentes lançamentos da Editora Darkside, da autora Rose Tremain, autora britânica cujos romances e contos já foram publicados em 27 países, e vai trazer uma história sensível sobre as consequências do passado, e acima de tudo sobre perdão, esperanças e amor.
Gustav é um garotinho órfão de pai, que mora com sua mãe, Emilie Perle, uma mulher que traz cicatrizes profundas que a tornaram fria e desesperançada e, mesmo não conseguindo demonstrar afeto pelo filho, não lhe deixa esquecer duas coisas: o heroísmo do pai e a necessidade de ser tão neutro quanto a Suíça.
“Ele foi um herói, Emilie lhe lembrava todo ano. Eu não entendi no começo, mas ele foi um bom homem em um mundo horrível.”
Mas a falta de amor da mãe não impede que Gustav a ame muito, e nem que seja um garoto sensível. Tanto que, quando um novo colega chega à escola e chora ao ser deixado pela mãe, entende que deve lhe ensinar que todos devem ser donos de si mesmo, e Anton deixa de chorar. Não sabiam, mas nesse momento os dois garotos, de uma forma completamente fortuita, desenvolverão um laço para toda a vida.
“A vida inteira, Gustav se lembraria com clareza da primeira manhã com Anton.”
Entretanto Emilie não gosta desse novo amigo – Anton é judeu, estamos em 1947, e a mãe deixa claro para o filho que foram os judeus os responsáveis por tudo de ruim que aconteceu à família. Anton é filho de um banqueiro, que foi transferido para essa cidade no interior da Suíça e, ao contrário de Gustav, tem pai e mãe que o apóiam, principalmente no seu amor pela música. E a família de Anton recebe com carinho Gustav, que passa a frequentar a casa dos Zwiebel, apreciando Anton praticar ao piano e até em viagens de férias.
O livro se divide em três partes, e é na segunda que entendemos como Emilie se tornou amargurada, já que vamos conhecer o pai de Gustav, que foi realmente um herói – mas estavam na suíça, que temia tomar partido contra os alemães nazistas, e por isso fincou raízes na sua neutralidade.
“A Europa está em guerra. Justiça é uma palavra que está perdendo o sentido.”
A terceira parte do livro dá um salto no futuro, quando então os personagens serão confrontados com suas escolhas, avaliando se os caminhos tomados levaram à felicidade, mas também vão ser equiparados com a possibilidade de tomar outra direção.
“Tempo. Quando você é jovem, acha que sempre terá tempo para fazer tudo que quiser. Você não percebe o tempo passando, esse é o problema. Mas ele passa mesmo assim.”
A narrativa da Rose é extremamente cativante e flui bem desde o primeiro capítulo. Mas ela não deixa de trazer temas pesados, dolorosos… enquanto acompanhamos a juventude de Anton e Gustav temos momentos mais leves, doces, até chegar no final da primeira parte com a interrupção de um sentimento que começa a florescer.
A segunda metade é a mais intensa… o pai de Gustav foi realmente um herói, mas num momento delicado e, por isso, a Suíça lhe vira as costas. Ao mesmo tempo, ele não é exatamente o melhor marido, mesmo que Emilie também estivesse mais interessada na estabilidade que ele lhe dava do que propriamente na relação amorosa. São dois adultos que vão se magoar muito! Emilie é amargurada, superficial, mas suas cicatrizes quase a abonam…
Achei incrível que, ao final da história, a autora menciona que Erich, o pai de Gustav, fosse inspirado na história de Paul Grüninger, um policial suíço, comandante da polícia de St. Gallen, na Suíça que, em agosto e setembro de 1938, salvou cerca de 3.601 refugiados judeus dos nazistas na Áustria, permitindo-lhes entrar na Suíça. Ela explica também que A Sonata perfeita nasceu um conto, mas que ela sentiu que tinha muito mais a acrescentar a história de Gustav e Anton, daí buscar a época e a posição incômoda que a Suíça tinha, neutra e aterrorizada pela possibilidade de uma invasão alemã.
“É função da polícia da fronteira impedir que as pessoas passem, mas as pessoas esquecem que os policiais têm sentimentos e condolência. Não somos máquinas calculadoras.”
A sonata perfeita trata de amizade, mas também da ambiguidade dos sentimentos que os garotos têm um pelo outro, já que Gustav reconhece a verdadeira essência de seus sentimentos mas fica ao lado de um Anton negacionista, que se joga em seus vícios mas, sempre que está mal, volta para buscar o apoio incondicional que Gustav lhe oferece. Um entende os sentimentos, mas se torna a Suíça, permanece neutro, mesmo que internamente sinta mais do que transparece. O outro, se joga nas paixões, não consegue se apresentar no palco, mas se ressente quando um aluno alcance patamares mais altos, e fica atrás de um sonho que ele nem sabe se é mais o dele!
A história vai acompanhar os personagens dos 6 aos 60 anos, e à amizade vão se acrescentando outros sentimentos como mágoa, esperança, ambição, conformismo, até chegarmos ao clímax, trazendo um final que não era exatamente o que eu esperava, mas que traz um conforto ao coração.
E assim, A sonata perfeita finaliza com A sonata de Gustav, um romance terno, feroz, orquestrado pela autora com as mesmas partes de uma sonata: exposição, desenvolvimento e recapitulação, trazendo a pergunta sobre o que as pessoas, ou até mesmo um país, buscam de fato pela neutralidade e autodomínio, abrindo mão de paixão e de esperança…
“Eu a escrevi em uma noite horrível quando entendi todas as direções erradas que minha vida havia tomado e onde eu queria estar. Eu a chamei de A Sonata de Gustav.”
Por: Maísa Carvalho
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