Beatriz177 05/04/2023
"Fala-se em razão e justiça, quando a meta real de todo esforço é o indivíduo. E quando o indivíduo é superado, há outro indivíduo à sua frente. A dificuldade de compreender a sociedade é a dificuldade de compreender o indivíduo. Percebendo que o mar eram os indivíduos, não a sociedade, me libertei em parte do terror que sentia desse mar fantasmagórico chamado mundo."
O foco narrativo dado a introspecção é óbvio, mas uma das minhas coisas preferidas foi a quantidade de vezes em que, sem perceber nem se voltar pra si ? não focando pela primeira vez na própria infelicidade per se da maneira massiva e centrada como faz na maior parte do tempo ? o Yoko terminou descrevendo o que poderia ter atenuado o seu sofrimento tanto quanto ele achou que a sua obsessão por qualquer outra virtude, na maioria cuja existência estava completamente relacionada ao modo de viver de outro ser humano, poderia: o fato de não ser tanto ele contra as outras pessoas, ou as outras pessoas contra ele, quanto são as outras pessoas contra si mesmas e a maneira como o embate dele deveria ter sido estabelecido consigo.
Claro que o fato do Yoko, depois de menos infantil (apesar de definitivamente nenhum pouco maduro), ter sido tão atormentado pela ideia dos próprios pecados (cada vez maiores, super acumulativos) acabou barrando a possibilidade de um dia ele adquirir alguma outra perspectiva acerca do meio, além de o medo e a insegurança terem criado a necessidade dele de perscrutar e analisar demais os outros de modo a se proteger, tomando mais uma vez as chances dele de um horizonte mais amplo para o pensamento, mas essa ideia continua na minha cabeça ? tanto que a citação acima é a minha preferida justamente por dar a impressão de endereçar esse detalhe, uma luta que poderia ter sido, mesmo que levemente, menos confusa e sem fim, se Yoko tivesse sido ensinado a julgar mais a si mesmo, se em algum momento do caminho ele tivesse tido a chance de enxergar os seus crimes menos como pecados e mais como obscenidades naturais, deslizes lamentáveis (se ele, no caso, pudesse ter-se desvencilhado também do seu tempo e da sua cultura; mas o fato do ser humano ser um subproduto da sua posição cultural, aprisionado dentro dos conceitos vigentes ao seu redor, é uma discussão maior).
No fim das contas, os fins desastrosos que tomam espaço dentro da narrativa de Yoko parecem poder se resumir a isso: a negligência do seu ensinamento, a inserção social para cujo auxílio foi dispensado, fazendo-o crescer não só sob abusos, mas com a influência de temores decorrentes de uma solidão que o alcançou muito cedo e se fez cada vez mais clara pela imagem sublime que se cria dentro da distância estabelecida (em condição, não só em posição) entre criança e adulto, alimentando a insegurança, afastando a informação e escalando o desamparo, uma vez que não conscientiza-se em nenhum momento de ser uma pessoa tanto quanto as outras também o são, com dores, vontades e direitos.