tamachunas 21/02/2024Quem tem direito ao detalhe?
Em Detalhe menor, há duas histórias que se sobrepõem: a primeira, uma tragédia ocorrida em 1949 em que uma garota beduína foi estuprada e assassinada por soldados israelenses no deserto do Neguev, e a segunda, uma tentativa de resgate por parte de uma garota palestina, nascida 25 anos depois, no mesmo dia e mês em que a primeira fora assassinada - ela encontra essa história em uma notícia no jornal, contada de forma breve, é um detalhe. Qual seria o sentido de dar tanta atenção a essa nota de rodapé, sendo que o sofrimento e a devastação por parte de Israel desde então só cresceu, por que focar em um acontecimento que a essa altura do campeonato se tornou banal e mal desperta algum sentimento? A pergunta certa seria por que não fazer isso? Em meio a toda essa violência, o detalhe se torna um privilégio gigantesco. Mas nem mesmo os mortos estão a salvo enquanto o inimigo continuar a vencer, a gente não deve esquecer, é necessário que o cão continue latindo e perturbando o silêncio, que alguém de fato veja e aponte a mosca que voa sobre o quadro. É isso que Adania Shibli faz aqui, em meio a ruptura, ela resgata o detalhe.
A obra tem uma estrutura perspicaz também, a primeira parte conta com curtos parágrafos e espaço entre alguns deles, é bastante fragmentada, ao passo que a segunda tenta colar esses fragmentos em uma escrita contínua, sem divisões, os limites estão borrados.