Stella F.. 08/12/2022
Vida idealizada
É sempre a hora da nossa morte amém
Mariana Salomão Carrara - 2021 / 272 páginas - Nós
Adorei o enredo!
A autora explora de maneira criativa e muito inteligente, diferentes possibilidades de morte e vida dos personagens.
Aurora é colocada em um abrigo porque foi encontrada sem rumo, perdida em uma estrada, chamando por Camila e com uma coleira vazia na mão. A partir disso, a assistente social, Rosa, se empenha em descobrir qual é a versão real da história, já que a cada momento Aurora pode ter uma filha ou não, ter uma amiga Camila, ter um marido Antônio que trabalhava no Instituto Médico Legal, e os cachorros Perdoai e Ofendido, além da filha Camila poder ter morrido de formas e com idades diversas.
Rosa se empenha anotando todas as versões e circulando as mais frequentes, como o fusca, que viveu momentos inesquecíveis na ditadura.
A autora vai fazer críticas ao tempo da ditadura, ao governo de hoje e de antes, da dificuldade de ser professora em nosso país, além de críticas aos serviços de saúde precários e o abandono de idosos.
Achei extremamente interessante o título porque faz uma alusão à Ave Maria revertendo o sentido de que a qualquer momento podemos morrer das maneiras mais inesperadas, ao nascer já estamos morrendo: afogada em um balde, um boi que atravessa a estrada, um raio e de muitas outras formas.
“[..] quando ouvia adultos rezando eu me detinha particularmente na passagem que eu escutava errado, Agora é a hora de nossa morte amém, por isso eu tinha tanto medo que rezassem por mim, mas mesmo depois que me explicaram continuei desconfiada. Agora e na hora de nossa morte amém, que hora era essa, a hora de nossa morte, como se fôssemos morrer em apenas um momento, estávamos morrendo já ali mesmo enquanto eles rezavam. (pg. 30)
Mostra o quanto uma mãe pode ser obcecada pela segurança da filha, e o quanto é corajoso ter um filho.
A autora em seu texto, vai colocar Aurora desejando que todos tenham 40 anos, uma idade ideal em que os filhos já podem ser amigos da mãe, os melhores amigos, é o que deseja Aurora, e a possibilidade de perder um filho antes disso, não seguiria a regra natural dos pais irem, morrerem antes dos filhos. E adora Rosa, a assistente social, que tem 40 anos.
Vai nos mostrar o afeto pelos animais, a relação diferente que cada um pode ter com sua mãe: de falta de afeto, prisão por excesso de zelo ou obediência servil.
Resgata o Carnaval e expressões antigas, que me fizeram rir e relembrar de muitas coisas.
E o humor esteve presente em várias passagens, já que falar de morte o tempo todo é difícil.
Aurora com seus relatos diferentes a cada vez que Rosa a interpela para lembrar de sua história, acredito que faça alusão ao desejo que a vida fosse do jeito que está relatando nesse momento, no abrigo de velhos. Uma vida ideal em que vivesse um grande amor, não houvesse problemas no ensino de professora de Português, que a filha ideal de 40 anos fosse sua amiga e que a grande amiga Camila não se afastasse dela e que pudesse estar sempre com seus cachorros queridos. Uma vida idealizada!
“Vou dizer à Rosa, que é por isso que demoro a lembrar a minha vida, não foi revelada, fui buscar minhas fotos e o rapaz falou que o filme todo queimou, ou então não sei, ficaram todas borrada, minha vida foi um grande dedo na frente da lente, o fotógrafo dizia Sorriam, mas sempre faltava alguém na foto, e sempre o dedo na frente”. (pg. 44)
Para morrer, basta estar vivo!