Livros da Julie 19/01/2022Um passado de crimes, mistérios e tragédias-----
"Amor ou a lei (...) eram os dois únicos problemas do homem neste mundo."
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"Estamos todos ligados de maneiras diferentes ao Onze de Setembro. Todos nós nos lembramos de onde estávamos quando vimos a cena se desenrolar na televisão."
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"Se uma árvore cai na floresta e ninguém está perto para ouvir, será que ela faz um som? No mercado editorial, se você escreve um livro e ninguém lê esse livro, você é mesmo um escritor?"
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"Ser capaz de dissecar o corpo humano (...) tinha algo a ver com alguma falha na psique."
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"Consensual era uma palavra da moda"
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"as provas não se importam com seus sentimentos."
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"As absolvições póstumas eram tão valiosas quanto um bilhete de loteria premiado um dia após sua data de validade."
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"Enquanto os homens recuam em paranoia à vista de uma mulher chorando, as mulheres agarram a oportunidade para ajudar."
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Procure nas cinzas foi o livro do mês de dezembro da leitura coletiva da Faro Editorial promovida pelo @clubeliterarioferavellar (#ClubeLiterarioFerAvellar).
Após um ano jornalístico de muito sucesso, Avery Mason se consolidou como a apresentadora do programa líder de audiência na TV. Preocupada com a manutenção desse status e com o crescimento de sua carreira, ela já estava de olho no que seria a principal notícia de sua próxima temporada: a recente identificação por DNA dos restos mortais de uma das vítimas do Onze de Setembro.
Por si só, o fato já seria digno de nota, considerando que já se passaram vinte anos do ataque terrorista ao World Trade Center. Mas qual não foi a surpresa de Avery ao descobrir que a vítima, Victoria Ford, estava sendo acusada à época pelo assassinato do seu amante, um famoso escritor de best-sellers.
As evidências que haviam sido encontradas pela polícia eram fortes e tudo levava a crer que Victoria tinha sido mesmo a autora do crime. Porém, enquanto lutava para sobreviver nos momentos seguintes ao atentado, ela deixou uma mensagem de despedida para sua irmã, Emma, implorando que ela acreditasse em sua inocência e tentasse prová-la ao mundo.
A apresentadora se vê, portanto, diante de uma ótima chance de rever o caso e tentar buscar a verdade por trás dessa história, para finalmente trazer paz de espírito a Emma e fazer justiça a Victoria. O problema é que Avery também carrega uma pesada bagagem de seu passado e a investigação poderá acabar expondo seus próprios segredos.
Mesmo com intrigantes páginas iniciais, o começo é um pouco lento, até enfim aparecerem os primeiros sinais de que a trama é mais complexa do que imaginamos. Na segunda metade, o ritmo acelera e mais mistérios vão surgindo. Só no final encontramos o estilo mais característico do autor, que arremata com um turbilhão de eventos e revelações que chega a ser até difícil de acompanhar.
É bastante significativo que parte da história se passe no dia 11 de setembro de 2001 e que a queda das torres tenha relação com o enredo. Apesar do tempo decorrido, ainda é um acontecimento muito vívido na memória e imagino que o lançamento de Procure as cinzas no ano do vigésimo aniversário do ataque tenha sido o modo encontrado pelo autor de prestar sua homenagem às vítimas.
Donlea foi extremamente respeitoso e meticuloso no seu retrato daquele fatídico dia, sem viés nem sensacionalismo. A narrativa mostra o ponto de vista dos sobreviventes com um tom neutro e adequado, mas ainda assim emocionante, pois é impossível não recordar as terríveis cenas do evento. O livro não deixa de ser um meio adicional de registro de fatos e impressões que, à sua maneira, ajuda a contar aquele momento da História, principalmente para as gerações seguintes, que não o testemunharam.
Por outro lado, para um livro tão especificamente datado, acho curioso que não haja qualquer menção à pandemia que atravessamos e não sei se houve alguma razão em especial. Contudo, considerando que vinte anos se passaram para termos uma obra de ficção que explora a ambientação do 11 de setembro, entendo que há de fato um período de tempo necessário para processarmos e aceitarmos os desastres, quaisquer que sejam, e os incluirmos em definitivo em nossas vidas, refletindo-os posteriormente na literatura e nas artes em geral.
Se há pelo menos um ponto a ser aprendido com as calamidades, é que só a ciência e a arte podem nos salvar, física e mentalmente.
Em elogio à ciência, o autor cita o notável trabalho de identificação dos restos mortais realizado até hoje no laboratório do Instituto Médico Legal de Nova York, considerado o melhor do mundo. É maravilhoso perceber a enormidade de aplicações da tecnologia, inclusive para elucidar antigos problemas e resolver casos que ficaram sem resposta. O reconhecimento das vítimas é uma forma de trazer o desejado alívio a quem ficou e o devido descanso a quem se foi.
Já em louvor à arte, Donlea nos dá um vislumbre do mercado editorial, criando autores, editores, livros e enredos para compor a história. Romancistas de sucesso sempre despertam interesse no leitor, dentro ou fora das páginas. Os escritores iniciantes e suas inseguranças também são representados e vemos que todos possuem chance de alcançar a fama, bastando cair no gosto do público. Como na vida real, não importa o estilo literário; o brinde "À literatura, em todas as suas formas e tamanhos" é cada vez mais válido.
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