arilopes 28/05/2022
As Desolações do Recanto do Demônio
O conteúdo das palavras a seguir podem conter spoiler e estragar a sua experiência me deixaria, profundamente, magoado comigo mesmo. Então, leia só quando finalizar a série!
Antes de tudo, seria um um erro monumental não ressaltar a escrita de Riggs, o autor consegue nos transportar para cenários imagináveis apenas fazendo uso da nossa maior fonte de magia: as palavras. Espero que Riggs continue escrevendo sobre outros mundos, personagens e narrativas mirabolantes e únicas e com a dose peculiar da sua incrível capacidade de transformar palavras desconexas em algo cativante, palpável e, assustadoramente, capaz de mudar e ajudar vidas: Histórias. Foi gratificante e uma delícia passar esse tempo com o conforto de palavras e personagens que nunca esquecerei. Obrigado! Além do mais, Riggs soube trabalhar, no épico desfecho, capítulos deliciosos e nada monótonos, a cada livro da série sentia essa evolução pessoal do escritor, de tentar minimizar a quantidade de páginas dos capítulos, porque, convenhamos, é cansativo capítulos longos.
Dito isso, quero discorrer um pouco sobre alguns acontecimentos da trama. Primeiro, achei a construção do vilão muito simplória, o vilão é mau simplesmente porque acha que os peculiares deveriam dominar e não ser subjugados, Riggs poderia ter aprofundado melhor a história do antagonista, visto que foram seis livros. Do mesmo modo, a morte dele foi algo bem morno e simples, olhando para todo o percurso da série, eu esperava muito mais! O mesmo cabe para a batalha, óbvio que tem grandes acontecimentos, mas no geral é rápida e sem nenhuma grande perda, e isso me incomodou. Ninguém morre, pelo menos nenhum dos personagens principais, temos só perdas de indivíduos secundários, acredito que para uma série dessa magnitude poderia ter ? pasmem ? ocorrido uma perda significativa.
Outro ponto, diz respeito a como Riggs, notoriamente, esqueceu de alguns elementos da história. Cadê o primeiro etéreo no confronto que Jacob dominou em Cidade dos Etéreos e que estava preso na arena de luta do Recanto? O que realmente aconteceu com Bentham depois da Biblioteca de Almas? Porque tornar dispensáveis/descartáveis os outros peculiares da profecia? E Julius, qual desfecho dele? E o caos no mundo dos normais que Caul deixou? Achei que a narrativa ficou com muitos pontos que poderiam ter sido melhor explorados. Além disso, achei totalmente desnecessário o começo do livro, além da demora para engatar nos acontecimentos da narrativa, acho que Riggs perdeu muito tempo até Jacob e Noor chegarem no Recanto, espaço de tempo que poderia ter acontecido diversos momentos relevantes para a trama. Também, sinto que Riggs recorreu a plots anteriores para algumas resoluções de problemas, o que, consequentemente, não surpreende o leitor. Assim, sinto que muitos desses ?problemas? só aconteceram porque o autor deixou tudo para ser desenvolvido e concluído neste livro, o que deixa o leitor, de certa forma, até sobrecarregado.
Ademais, não posso deixar de mencionar que ainda sinto que o relacionamento de Jacob e Emma precisava de mais uma conversa entre eles, até reli a conversa que ambos tem em A Convenção das Aves e, sendo sincero, é uma conversa madura, mas ela tende para que os personagens aceitam bem o término e fiquem amigos como se nada tivesse acontecido entre eles. Retorno a dizer, achei superficial e conhecendo Emma ? quem leu sabe ? foi uma aceitação sem nenhuma resistência, totalmente contrário a personalidade da personagem. Todavia, isso não quer dizer que eu não goste de Noor, pelo contrário, é uma personagem que foi sutilmente introduzida mas que logo ganha o leitor. Riggs poderia não ter feito deles um casal ? Jacob e Noor ?, mas amigos e ter resolvido a briga entre Jacob e Emma, não havia necessidade de mudar o casal principal. E, infelizmente, sinto que Emma após o término perdeu certa notoriedade na narrativa, e ela é umas das minhas personagens favoritas.
Por outro lado, tem alguns pontos que é um crime não comentar sobre. Enoch, obrigado por todos os momentos que você me fez ri ou que me irritou, acho que consigo te amar e, às vezes, odiar na mesma medida. Você é um incrível alívio cômico! Outrossim, amei a migalha que foi ter um peculiar que morava no Brasil. Cheio de estereótipos? Sim, mas amei esse reconhecimento e que, lamentavelmente, nem durou muito. Quem perdeu foram os leitores de outras nacionalidades! Outro quesito que gostei bastante, e não tinha mencionado em nenhuma das outras resenhas, foi como era gratificante chegar nas fotografias, ao longo do texto, das capas e segunda capas dos livros da série e entender o seu contexto. Riggs consegue ser surpreendente até em pequenos detalhes. Ah, o desfecho de que os peculiares simplesmente não começaram a viver no mundo dos normais foi o mais assertivo, seria impossível viver em paz em um mundo em que você foi caçado, temido e morto por milhares de anos por apenas ser distinto dos demais.
Destarte, foi maravilhoso acompanhar a história de Jacob e dos seus amigos e conhecer mais sobre esse mundo disruptivo que Riggs criou, é uma série que conheci lá em 2018 e só consegui concluí-la agora, tenho orgulho daquele Arilson que viu O Orfanato da Srta. Peregrine Para Crianças Peculiares na estante do shopping, em promoção, e decidiu comprá-lo e se aventurar nesse mundo. Sempre admirei a coragem dele de conhecer sobre o desconhecido! E sim, a experiência de ler essa série é mil vezes melhor do que só assistir ao filme. Porém, recomendo. Ambos!
E assim amigos, sigo em busca de outros peculiares e da preservação do nosso peculiar mundo literário.
"Às vezes, uma velha fotografia, um velho amigo ou uma velha carta ajudam a lembrar que você não é o mesmo de antes. Aquele que morava entre aquelas pessoas e valorizava isso, escolhia aquilo, escrevia de tal jeito não existe mais. Sem perceber, você percorreu uma grande distância. O estranho virou familiar, e o familiar, se não estiver estranho, é no mínimo desconfortável."
"Somos todos esburacados, e em alguns dias eu teria feito qualquer coisa para tapar meus buracos, mesmo que só por um tempo."
"Porque não pude parar para a morte, ela gentilmente parou para mim"
"Só porque ninguém se lembra do seu nome não significa que sua vida não valeu a pena."
"Melhor queimar de uma vez que se apagar aos poucos"
"Nada está morto: os homens se fingem de mortos, suportam falsos funerais e lúgubres obituários, e lá estão eles, a tudo assistindo pela janela, vivos e bem, sob um novo e estranho disfarce."