rxvenants 07/01/2022Não funcionou pra mimAVISO DE CONTEÚDO: morte, sangue, tortura, abuso sexual, físico e psicológico, incesto e tudo ao redor disso. Se você é sensível a um ou mais temas, não leia o livro ou leia-o com cuidado.
"Cursed Bunny" é um livro de contos que - segundo sua descrição - utiliza elementos fantásticos e surreais para falar sobre os verdadeiros horrores e crueldades do patriarcado e do capitalismo na sociedade moderna.
E eu definitivamente consigo ver as intenções de críticas nos contos, mas ao meu ponto de vista, acho que eles não passaram tão bem todas elas, além de conterem críticas rasas e às vezes me fazerem pensar que a própria descrição do livro errou em falar sobre seu conteúdo.
Primeiro, que eu sei o quão bem Bora Chung escreve. Mesmo quando enredos não me convenceram, eu conseguia ver o talento da autora na disposição de detalhes e nos personagens bem feitos. Eu não me conectei com nenhum deles e uns foram bem chatos pra mim, mas eu reconheço como a autora escreve bem e alguns contos foram bem criativos.
E acho que é por isso que esse livro me deu raiva em certos momentos: eu sabia do potencial da autora e me decepcionei por não gostar da forma que tudo foi entregue (e aparentemente só eu e uns gatos pingados não gostamos KKKKKKKK).
O livro tem contos de diferentes gêneros e embora isso seja algo bom para alguns leitores, eu achei uma bagunça. A descrição fala de sci-fi, mas há apenas um conto do gênero e os outros flutuam entre realismo mágico e pura fantasia.
Eu não achei a combinação legal, ainda mais quando a própria descrição do livro fala sobre sociedade morderna e apenas as histórias de realismo mágico parecem com o mundo moderno (a de sci-fi é obviamente no futuro e as de fantasia parecem medievais ou em algum tempo definitivamente não moderno).
Em relação às críticas, eu não sei se elas foram realmente tão rasas ou se foi eu que não consegui captar.
O primeiro conto, por exemplo, The Head, fala de uma cabeça que nasce dos dejetos e tudo que uma mulher joga pelo vaso sanitário. Ela ignora e trata mal a cabeça, chegando a ficar com prisão de ventre. No final, a cabeça - agora um corpo idêntico ao dela, só que mais jovem - decide se vingar e jogá-la no vaso.
Eu não entendi muito bem como essa história tinha alguma ligação com patriarcado ou capitalismo.
Eu poderia forçar e falar sobre a relação das mulheres quando envelhecem x seus corpos jovens, mas como isso se relaciona com um cópia sua nascendo e se vingando de você, eu não saberia dizer, já que nada disso é explorado em relação à sociedade coreana patriarcal (ou até mesmo mundial).
Eu ia fazer uma análise de cada conto, mas literalmente ninguém liga, então só vou dizer que os contos raramente tem ligações com o patriarcado e capitalismo (o de sci-fi, por exemplo, culpa o consumidor ao invés daqueles no topo que utilizam coisas como a obsolescência programada em seus produtos) e quando tem, são extremamente rasos e clichês (no estilo de o capitalismo explorar as pessoas e o patriarcado trair e não ligar pras esposas).
Tudo parecia a mesma coisa falada de forma diferente (os dois contos de fantasia são sobre o capitalismo e falam sobre personagens explorados fisicamente para o bem e a ganância de outros) e todos os contos sobre o patriarcado são sobre homens que não ligam para mulheres.
Nada tem profundidade, mesmo com diversos pontos que poderiam ser tocados de acordo com as tramas escolhidas.
O conto que de longe mais me irritou foi o segundo, "The Embodiment", que utiliza o anticoncepcional como o vilão da história, fazendo a personagem principal engravidar (???) e causando todos os problemas dela, quando sabemos que anticoncepcionais podem ser ruins, mas salvam diversas mulheres, já que não são só para não engravidar, mas também outros problemas hormonais.
No mesmo conto, a personagem é aconselhada pela médica a procurar um homem/marido pois se não o bebê não cresceria normalmente.
Eu posso ver que a autora quis falar sobre como mulheres sem marido são julgadas quando engravidam, mas a forma que foi escrito me incomodou.
O conto tomou uma forma cômica esquisita com ela procurando por homens para serem os pais do bebê (com homens da máfia brigando, chantagistas baratos e outros burros - e uso essa palavra na mais pura forma não capacitista).
No final, o bebê vira um saco de sangue e morre (enquanto um cara que ela tinha gostado aparece tarde demais tipo "ué, não dá mais tempo?", com som do Porta dos Fundos no background) e eu fiquei simplesmente me perguntando POR QUÊ.
A mulher no conto constantemente fala que quer criar o bebê sozinha e faz até algumas coisas para cuidar dele e deixá-lo feliz dentro dela e no final não funcionou.
Me deixou super desconfortável esse tipo de crítica que trata comicamente o desespero e o trauma de uma mulher.
Outros contos como "Home Sweet Home" só são mal desenvolvidos e outros como "Reunion" só são desnecessários no contexto do livro, embora bem feito.
Eu não entendi a necessidade de colocar um personagem sobrevivente do holocausto só pra ser maltratado pelo neto.
A passagem
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me chocou bastante e nem acreditei que a autora tinha escrito isso.
Não é como se eles tivesse caído das escadas pra poder superar de forma rápida. Esquisito alguém sequer se perguntar o motivo de eles não conseguirem seguir em frente (na maioria dos casos).
Eu genuinamente só gostei da história que dá o título ao livro, "Cursed Bunny". Foi na medida perfeita a mistura entre realismo mágico e crítica ao capitalismo com CEO se f*dendo.
Enfim, eu acho que descreveram esse livro de forma errônea. Sinto que se tivessem tratado como um livro de contos sobre egoísmo e ganância, seria muito melhor e ainda deixaria um espaço em aberto para os leitores descobrirem ou fazer paralelos com sistemas sexistas ou exploratórios sem compromisso de ser necessariamente sobre esses temas.
Todos os contos têm personagens que só ligam para seus próprios desejos, não importando quem machucam e acho que esse seja o verdadeiro centro do livro. Porém, descrito da forma que foi, fiquei esperando algo que veio de forma não aprofundada e consequentemente, fiquei decepcionada.
Enfim, Cursed Bunny não foi pra mim. Não foi uma leitura agradável, mas aconselho que leiam caso tenham vontade, já que muitas pessoas gostam.
Pra mim não funcionou, mas pode ser que funcione pra você.