Cris 08/03/2022
Visceralmente difícil e dolorosamente lindo!
" - O que são palavras? Às vezes, o olhar ou rubor da pele revelam tudo o que você precisa saber. Palavras podem ferir. O silêncio pode curar."
Li 'Alma Sombria' em 2016 quando ainda se chamava 'Souls Unfractured' e lembro-me de ter amado o livro embora tenha sofrido demais por conta de todos os traumas que ambos os protagonistas tinham sofrido. Hoje, ainda tenho, praticamente, a mesma opinião, reler a história me trouxe diversos sentimentos compactados de maneira ambígua e um tanto controversa pois, ao passo que estava lendo algo dolorosamente difícil, pude presenciar momentos singelos de afeição e de amor genuínos. Vi a dor e o deleite partindo do mesmo princípio e culminando em um desfecho absurdamente perfeito desmistificando de uma vez por todas qualquer burburinho de que romance dark não pode ser romântico blá-blá-blá.
Flame, o protagonista masculino da história é visto no Clube como um maluco pscótico que se automutila e que não deve ser tocado por ninguém. Seus traumas e demônios interiores são desconhecidos deixando apenas a certeza de que ele foi quebrado em todos os níveis possíveis e que jamais poderia ser reparado. As coisas começam a tomar um outro rumo quando Maddie, uma ex-prisioneira da seita religiosa que, após ser salva por ele, o abraça pegando-o de baixa guarda. Flame tomado pelo espanto, sente-se aquecido e permite se dar ao luxo de não sentir a pessoa má e sem valor que sua mente insiste lembrá-lo todos os dias.
Maddie é irmã de Mae e também foi resgatada e acolhida pelo Clube e, mesmo violada desde criança, nunca deixou de sonhar e confiar num amanhã melhor. Seus dias começaram a ganhar uma nova e bonita cor após ser salva por Flame, o homem todo tatuado que não podia receber e dar carinho. Na verdade, Flame não era temido, era apenas mal-compreendido, e ela sentia essa complexidade e obscuridade a cada ação e, apesar do assombro de seus enegrecidos olhos, enxergava neles a permissão de uma tímida aproximação, e com isso, ela rompeu a barreira que ninguém tentou romper e encontrou nos braços do homem assombrado e estilhaçado pela vida a redenção que ela tanto buscou e nunca encontrou.
" - Eu sei que sou diferente. Sei que não vejo o mundo como todas as pessoas veem. Mas quero ver o seu mundo, Maddie. Mesmo que seja o único que serei capaz de entender."
Uau!
Uau!
Tillie Cole, uau!
Essa foi a mesma reação em palavras que tive ao ler esse livro pela primeira vez e, ainda sendo repetitiva, me encontro sem palavras e com o meu coração quentinho apesar de todo sofrimento que vivi. Embora o pano de fundo seja intragável e nojento, a autora conseguiu deixar o livro singelo e doce. Sei que é muito estranho ressaltar essa palavra em um contexto permeado de promiscuidade e malignidade, mas foi justamente a doçura na escrita de Cole que me impulsionou a continuar.
A construção da história só tem a ganhar pontos, dentre os três já relidos, este para mim foi o melhor em todos os aspectos... tanto na dor, quanto no amor. Flame e Maddie mostraram que pessoas destruídas por palavras e, principalmente, por punições podem sim achar a luz no fim do túnel e se queimar nas chamas de um sentimento outrora apagado pelas cinzas da vida. E com capítulos, minimamente, bem elaborados, o leitor é roubado e inserido na trama a ponto de não mais conseguir abandonar a leitura, na verdade, eu apenas torcia e esperava um final feliz. Entretanto, mesmo que eu queira, não posso fechar os olhos para as terríveis cenas presenciadas do início ao fim. Cenas de abuso sexual, cenas de violência, cenas de lavagem cerebral, cenas e mais cenas inconcebíveis. Mesmo que eu deseje encobrir as atrocidades expostas no livro com milhares de elogios acerca do amor vivenciado entre o casal de protagonistas e personagens secundários importantíssimo à trama, não teria o êxito que tanto anseio, infelizmente, alguns capítulos e trechos ficarão marcados para sempre em minha carne, feito uma cicatriz bem feia. Todavia, como dizem por aí, autor bom te faz ler tudo, independentemente de qualquer porém.
E por fim, mesmo que a autora tenha me chocado de todas as formas possíveis, ela conseguiu proporcionar acalento ao meu sofrimento, e, através de pontos de vista intercalados por ambos os protagonistas, tudo acabou sendo dosado muitíssimo bem. A linha tênue que divide o horror do belo tornou a leitura, visceralmente, inesquecível e, dolorosamente, lindíssima.
Estejam preparados para tudo, sobretudo, para se apaixonar por Flame e Madds, Madds e Flame para sempre e sempre. ?
" - Eu costumava me perguntar como duas pessoas; uma garota quebrada e um garoto quebrado... poderiam superar seus passados sombrios e torturados. Mas agora eu sei. Juntos, é como conseguimos. Juntos, eles encontraram uma maneira... juntos."