Lista de Livros 10/06/2022
Lista de Livros: Projeto Nacional: o dever da esperança, de Ciro Gomes
Parte I:
“Ao contrário do que a propaganda do regime militar alegava, o governo Jango e seu projeto nacional contavam com amplo apoio popular. Pesquisa Ibope de março de 1964 revela que, se pudesse se candidatar no ano seguinte, Jango teria mais da metade das intenções de voto na maioria das capitais pesquisadas. Mesmo em São Paulo, tradicional reduto antigetulista, o governo Jango contava com 45% de avaliações de bom e ótimo. Só 16% o consideravam ruim ou péssimo. Havia amplo apoio nas capitais às medidas anunciadas no comício da Central do Brasil, às “reformas de base”, como reforma agrária, reforma urbana, o voto dos analfabetos, a aposentadoria rural, a função social da propriedade, o dispositivo legal da medida provisória e o monopólio do Estado em setores estratégicos da economia, que começaria com a encampação de refinarias estrangeiras.
Mas mais uma vez os interesses dos norte-americanos, inconformados com a Lei da Remessa de Lucros e a encampação de refinarias, em conluio com a direita brasileira e com parte das Forças Armadas, montaram um golpe de Estado no país com farto investimento em propaganda, apoio militar e subornos generalizados. E o país perdeu sua cambaleante e incipiente democracia. Vinte e quatro anos depois, com o fim do regime militar e a promulgação da Constituição de 1988, praticamente toda a agenda das reformas de base se tornaria parte de nossa Carta Magna. Embora algumas dessas reformas nunca tenham saído do papel, como a agrária, fica ridículo hoje pensar que o voto do analfabeto ou a aposentadoria rural pudessem ter sido consideradas parte de uma agenda comunista, como alegado na propaganda do golpe de 1964.”
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Parte II:
“Ainda gostaria de lembrar que a destruição econômica do país não é causada por esses desvios éticos, mas sim por nossa desindustrialização e escoamento de nossos recursos para os juros da dívida interna. Apesar do terrível impacto moral na sociedade, razão pela qual o combate à corrupção não deve ter tréguas, seu impacto no orçamento nacional é extremamente limitado, ao contrário do que a imprensa faz parecer. Mesmo porque a corrupção leva predominantemente um percentual dos recursos para investimento do Estado, e em 2017 os investimentos federais foram previstos em 1,4% do orçamento. Enquanto isso, perdemos quase 10% deles no pagamento de uma das taxas de juros mais altas do mundo. A corrupção, sendo uma distorção gravíssima porque destrói a confiança da população no sistema, não é a causa de nosso atraso econômico. Essa é uma narrativa falsa imposta por aqueles que não querem mudar o modelo que fracassa inapelavelmente desde os anos 1980, e que poderia ser perfeitamente chamado de corrupção institucionalizada, pois é o sequestro do Estado e de suas energias por uma minoria de poderosos barões do sistema financeiro. O aumento da corrupção é só mais um sintoma de nossa degradação como sociedade e da percepção generalizada de injustiça e impunidade.”
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Parte III:
“(...) Todas essas políticas aqui esboçadas não darão certo sem a estrutura geral que abordei em itens anteriores: uma taxa de juros reais mais baixa que a rentabilidade média dos negócios, a recuperação da capacidade de investimento do Estado, a manutenção de uma taxa de câmbio realista, que evite o populismo fácil do consumo de importados e dê segurança para os novos investimentos e, finalmente, uma forte coordenação entre governo, empreendedores e uma academia dedicada a produzir os avanços tecnológicos necessários para a criação de novos setores industriais nacionais.”
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“Defendo convictamente que a principal habilidade a ser desenvolvida pela educação no mundo atual é a capacidade de aprender a aprender e de lidar criticamente com o excesso de informações. Num mundo com tecnologias em permanente mudança, o brasileiro do presente e do futuro precisa ter uma capacidade adaptativa que só o pensamento crítico genuíno, fonte de todo o conhecimento humano, pode dar. Não existe mais lugar no mundo para o professor reprodutor de fórmulas e informações, simplesmente porque um volume incomensurável de informações está à distância de um clique. O professor, no entanto, retém seu papel fundamental de tutor de um aluno perdido num mar de dados sem saber como avaliá-los ou relacioná-los, de interlocutor individual capaz de identificar e intervir em dificuldades particulares de aprendizado, mostrando ao aluno a falha particular de pensamento que o impede de dominar determinado conteúdo ou habilidade. Enfim, cabe ao professor sempre ajudar a desenvolver no aluno o genuíno espírito crítico que, bem longe de ser a doutrinação ideológica que muitas vezes o termo esconde, é exatamente seu inverso: ensinar a abordar o mesmo problema ou conteúdo de pontos de vista diferentes.”
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Parte IV:
“A CRISE DA ESQUERDA CONTEMPORÂNEA
Vivemos hoje um quadro de profunda crise capitalista em que o neoliberalismo fracassou rotundamente e a desigualdade volta a avançar no Ocidente. Diante dessa crise cultural profunda, a esquerda ocidental patina e vê parte de seus espaços perdida para a extrema direita.
Diante do imenso fracasso das políticas que têm diminuído o papel do Estado sem planejamento estratégico algum, esperando que o espontaneísmo do mercado seja o motor do desenvolvimento enquanto paga taxas de juros mais altas que o rendimento médio dos negócios, a retórica neoliberal sempre rejeita a responsabilidade pelas consequências nefastas de suas políticas (veja o colapso que aconteceu na Argentina neoliberal de Mauricio Macri) dizendo que não deixaram dar a dose suficiente de seu remédio. Ou seja, eles sempre alegam que tudo deu errado porque não destruíram o Estado o bastante. Durante os governos neoliberais só a estagnação ou a catástrofe tem vez. A culpa, o neoliberalismo coloca na suposta “gastança” dos governos anteriores, e quando finalmente sai do poder e o país volta a se desenvolver, ele diz que o crescimento foi por causa de seu “ajuste” ou “modernização”.
Mas se o remédio é bom, ou a situação melhora ou o ritmo da piora tem que diminuir. A crença de que tudo tem que piorar muito antes de melhorar não é nada senão misticismo importado para a economia.
Este é o grande paradoxo do liberalismo econômico que precisamos expor: a suposta liberdade individual irrestrita afeta severamente a liberdade da maioria dos indivíduos. A médio prazo, o liberalismo econômico colapsa o liberalismo político, porque ele tira da maior parte da sociedade as condições materiais necessárias para exercer a liberdade. Liberdade absoluta é a lei da selva, portanto, a lei do mais forte. E o ideal do liberalismo político clássico nunca foi garantir a liberdade absoluta, porque isso é o oposto da vida em sociedade, e sim a maior quantidade de liberdade possível para todos os cidadãos igualmente. Deixo a você, caro leitor, a conclusão dessa reflexão.”
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