.ester 05/11/2023
Leitura essencial
Reunindo experiências reais vividas por ela e por outras pessoas negras, apoiada em seu vasto conhecimento e munida com um grande poder argumentativo, Cida costura conceitos sociais e políticos com muita destreza e clareza, provando ao leitor como o racismo age, de maneira simples, mas nem por isso menos competente.
Estudiosa das diversas teorias produzidas por pessoas racializadas através dos anos, a autora não pretende construir um conceito novo; na verdade, o livro pretende nomear um sistema que, segundo ela, ?atravessa gerações e altera pouco a hierarquia das relações de dominação ali incrustadas? (Bento, p. 18). Sendo assim, Cida Bento faz um recorte contextualizado de seu termo, explicando como as teorias já produzidas e publicadas se relacionam com o trabalho desenvolvido por ela, o que torna o livro introdutório para pessoas que buscam se educar sobre raça e racismo sistemático. Mas tal aspecto não deve diminuir a sua importância; pelo contrário, indo na contramão do academicismo que faz parte de muitos textos de sua área, isto é, abrindo mão de uma linguagem complexa e rebuscada que afasta o público do escrito, Cida lança mão de uma linguagem acessível, composta de exemplos cotidianos, aproximando o leitor do assunto, um recurso admirável que chama para o livro todos os que tiverem interesse em entenderem como o racismo se opera e quais suas consequências não-nomeadas.
O livro divide-se em 11 capítulos curtos, contando com a introdução, em que Bento discorre de maneira exemplar e breve sobre as diversas teorias que compõem os estudos de raça e, muitas vezes, gênero. No primeiro capítulo, a autora explica o que seria o pacto da branquitude: um sistema criado para manter a hegemonia de poder de um grupo, mas de maneira silenciosa, não-verbalizada. Essa conceituação e o esquema argumentativo que Aparecida constrói durante esse e todos os capítulos consegue explanar o que há muito permanecia sem nome, mas que fazia parte da vida social de pessoas racializadas. Durante os outros capítulos, Cida compõe um panorama amplo de seus estudos e de cada aspecto que constrói a branquitude como sistemática e cruel, nos deixando a par de situações como a das empregadas domésticas e da operação de grupos supremacistas e do o ufanismo ideológico branco. Assim, seu texto é potente e esclarecedor, visto que dá luz a questões que há muito não eram discutidas de forma acadêmica, dando enfoque a pautas debatidas na sociedade contemporânea de hoje e nomeando o que precisa ser nomeado.
O óbvio, como se sabe, precisa ser dito e é dessa forma que Cida Bento opera, não de maneira maçante e desprovida de conteúdo substancial, mas repleta de reflexões cruciais para a superação do sistema racista que permeia as instituições. Dessa forma, Cida rege o texto em um tom crítico, de maneira objetiva e sem muitos rodeios, nos apresentando, com exemplos palpáveis, a um engenhoso e cruel sistema, criado para manter um determinado grupo concentrando poder, enquanto empurra outro à margem, sem que este nunca tenha qualquer chance de se provar de alguma forma. A leitura do texto de Maria Aparecida se faz necessária para que sejam entendidos pontos cruciais de teorias de raça, principalmente para aqueles que buscam iniciar a se aventurar por essas teorias.