Clube do Farol 08/08/2022
Resenha por Elis Finco @efinco
Olá, pessoa! Tudo bem? Não sei se você conhece outros locais de "peregrinação", mas aqui no Espírito Santo existe "Os passos de Anchieta", tem duração vezes menor que a jornada dos personagens a Compostela, mas acredito, pelos relatos que li, que as experiências não são tão diversas assim. Afinal, o que conta não é o caminho e sim a caminhada.
E essa história vai contar a vida de duas pessoas que partem em uma jornada. Ao norte da Espanha fica o Caminho de Santiago. Rota de peregrinação secular que leva a Santiago de Compostela, a jornada de centenas de quilômetros é repleta de vilas e cidades medievais — além de paisagens belíssimas — e atrai, diariamente, milhares de caminhantes, movidos pela fé ou em busca de autoconhecimento.
A narrativa é dividida entre Zoe e Martin, em capítulos alternados. Cada capítulo acontece na visão de quem narra, então temos momentos complementares ou completamente distintos e funcionam maravilhosamente bem para a narrativa. O ritmo de leitura não é dos mais rápidos, mas eu já aprendi na minha vida de leitora que livros que falam sobre jornadas tem isso em comum. Contudo, é impossível parar de ler, por a sensação ser de estar caminhando com os personagens e não consigo acreditar em deixar de querer saber o que vai acontecer a eles e principalmente se chegaram ou não ao destino final.
Confesso que a história ter girado em torno de dois personagens já adultos e com uma história, deixou a trama melhor. Não seria a mesma coisa se fossem dois adolescentes, basta atentar para os personagens para ter certeza que eles dariam nos nervos antes de deixar a França. Outro fator que contou a favor foi o foco de ambos ao seguirem a jornada serem motivos distintos e não religiosos. Logo eles aprendem que, mesmo acompanhados, a primeira lição é aprender a depender de si e seus limites. Outro fator foi demonstrarem ao longo do caminho que mesmo os que fazem o percurso por motivos religiosos podem encontrar pessoas que seguem a única lei do capitalismo, levar vantagem. Assim como o oposto da moeda, pessoas que realmente tem no ajudar aos peregrinos a alegria descompromissada do ato.
Como Zoe, eu me senti incomodada pelas diferenças e representação cultural dos diversos países representados por seus personagens e depois, como ela, percebi que ao outro parece mesmo ser assim. O diverso é estranho, desagradável, incomodo até o segundo olhar, aquele em que você reconhece que assim deve ser para outra parte e se acomoda naquela zona cinzenta que nos torna civilizados. O peso de nossa vida é nossa maior bagagem, seja na estrada, seja no cotidiano e sempre encontramos contentamento quando o conforto é maior que a necessidade. Por isso que com fome toda comida é mais saborosa e toda cama ao exausto é macia (a reclamação vem depois que a necessidade passa).
Duas pessoas andando o mesmo trajeto não fazem a mesma jornada, e que o conselho do filósofo serve agora, "conhece-te a ti mesmo". O silêncio e os encontros acabam por propiciar esses momentos a Zoe e Martin, quando se encontram um tenta aprender com o outro, em separado lidam com o que ainda não conseguiram aprender ou aceitar e, ao mesmo tempo, eles lidam com as novas dificuldades que surgem. Afinal, o otimismo americano nem sempre encontra compreensão no humor britânico. Lidar com o imponderável é como lidar com o tempo, não há o que fazer além de aceitar e encontrar um meio. Assim Zoe ajuda a Martin ao mostrar como ele andava em meio a vida cego às belezas ao seu entorno, simplesmente por se ocupar tanto a ponto de não observar o que está ao redor e bem diante de seus olhos. Enquanto Zoe lida com a lição que para se encontrar é preciso se perder ou se dar conta de que se está perdido.
Zoe é uma artista da Califórnia de luto pela morte recente e súbita do marido, e Martin, um engenheiro inglês que acabou de se separar da mulher, ambos começaram a jornada em busca de um recomeço. O processo do luto pela morte é algo muito pessoal e leva tempos diferentes para cada pessoa e existem outros pequenos lutos que acontecem ao fim de relacionamentos e de projetos. A forma de vivenciar é também individual, porém o fato de ambos não estarem em uma jornada espiritual aproxima ainda mais. Mas será que cuidar de si não é uma busca espiritual de toda forma? Gostei da abordagem das diversas categorias de crença, seja o horóscopo, carma, ateísmo ou vegetarianismo. O que nos move são nossas crenças e nossas convicções e, muitas vezes, o credo sofre por nossa fé abalada em nós mesmos.
Eu confesso que fui me encantando pela história ser bem dosada entre os personagens principais e os secundários que vão surgindo ao longo das estradas. O mapa que veio junto ao livro ajudou muito para entender como vários trajetos convertem na mesma jornada e que mesmo partindo do mesmo ponto convergem para Compostela. Outro crédito são as várias referências, tanto na história quanto as que guiam os personagens em suas decisões.
O único porém é que essa é uma história que acaba, mas não termina. Mesmo o epílogo não encerra algumas questões que eu gostaria. Temos pequenos indicativos dos rumos que a vida de alguns personagens secundários tomaria, mas não o suficiente para eu me sentir satisfeita em questão de desfecho. Contudo, não posso deixar de dizer que o final dos personagens Zoe e Martin foi absurdamente perfeito!
A edição está linda! Absurdamente perfeita para a história, para com os personagens. A diagramação, fonte e papel dão fluidez e conforto a leitura, não encontrei nenhum erro de digitação ou ortografia, mas o mapa foi um toque maravilhoso para entender a história e se sentir até mesmo parte dela.
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