Jeine 12/01/2023Uma história sem heróis; apenas sobreviventes."A Guerra da Papoula" é uma das melhores obras que li nos últimos tempos. E um dos seus maiores diferenciais é que é um livro notadamente inteligente, com um background histórico e cultural impressionante e uma mitologia muito bem fundamentada. Tudo isso é muito rico nessa história, inspirada na China, nas guerras sino-japonesas e na segunda guerra mundial.
Como o próprio título diz, em "A Guerra da Papoula" há uma guerra acontecendo, consequência da outras que já ocorreram no passado, e R. F. Kuang soube amarrar bem esses fatos. Ela também torna as consequências da guerra muito palpáveis, colocando o leitor diante dos maiores horrores possíveis. Eu geralmente tenho estômago forte para descrições de violência, e realmente não me afetei nesse sentido. A violência não me fez sentir aflição, náusea ou mal estar, mas me fez chorar feito um bebê. Tem uma cena específica, que uma das personagens narra os abusos que sofreu, e o que dói não é o ato de violência, é o que aquela violência fez com a alma dela. Pois o corpo se recupera, a alma nunca mais. E é por isso que eu não julgo a sede de vingança de personagens como Rin e Altan, nem as atrocidades que cometem em nome dessa vingança.
"Durante todo o tempo, a mente de Rin gritava a pergunta sem resposta: Por quê? [...] uma perversão naquela escala, um genocídio gratuito daquela magnitude, contra inocentes que não levantaram sequer um dedo para se defender [...] Era simplesmente o que acontecia quando um povo decidia que outro era insignificante."
Queria destacar, porém, que o livro não é perfeito. Ele tem um ritmo que em alguns momentos me incomodou. No começo ele é impecável e muito consistente, apesar da passagem acelerada do tempo. Logo, ele começa a acelerar demais, alguns eventos são muito repentinos, personagens aparecem e desaparecem sem aviso. Outro incômodo que eu tive foi em relação à fantasia/magia nessa história, da qual eu esperava uma presença mais forte. O número de personagens que praticam magia aqui é muito escasso, e a prática da magia em si pouco afeta o mundo tangível (com excessão de um único e questionável evento no final). Por isso, por um momento me perguntei se esse livro não funcionaria melhor como uma ficção histórica do que como uma ficção fantástica. Mas essas são escolhas narrativas, que acredito que possam ser discutidas sim, porém não desqualificam a obra em nada.
R. F. Kuang fez algo grandioso, com tudo o que ela nos faz pensar e sentir. A trajetória da Rin, que é nossa protagonista, é bastante impactante. E não só a dela, porque um dos melhores aspectos do livro são os personagens e suas nuances. Aqui não há heróis, há sobreviventes; e seus atos nem sempre serão heróicos, nem sempre serão bonitos. E por isso mesmo, que para mim, "A Guerra da Papoula" é um livro favoritado e muito recomendado. Mal posso esperar para ler as continuações.
"Eles estão vindo e vamos ficar aqui; no final, quem sobreviver vai ser o vencedor. A guerra não determina quem tem razão. Ela determina quem sobrevive."