legarcia 08/08/2023
Abre os olhos quando tirada da caixa
Lygia Fagundes Telles já tinha se provado uma contista de alta qualidade, mas, com esse romance, fica evidente o nível excelente de suas obras em variados gêneros. Diferente de sua amiga Clarice que tentava ultrapassar os limites da linguagem, Lygia a explora brilhantemente para construir os cenários e as personagens.
A obra está ambientada em um contexto de declínio dos modelos de família burguesa. Sendo conduzida por meio de Virgínia, uma menina que vive o drama do não pertencimento, do desejo de fazer parte de algo e não conseguir; a ciranda de pedra é impenetrável para ela. Por ser rejeitada, sentia-se inferior e mais vontade de entrar na ciranda.
No início, somos apresentados à Virgínia ainda menina, percebendo os tratamentos desiguais, idealizando os personagens da ciranda com o lúdico infantil. Ela sofre e percebe que sempre há algo que todos sabem mas não a contam, sente que existe alguma explicação para ser tratada de forma tão diferente dos outros.
Após retornar à casa do suposto pai, agora já jovem, Virgínia vai conseguindo adentrar a ciranda e, vendo a realidade da vida daquelas pessoas, percebe que seu drama tinha muito menos razão de ser do que ela. Antes, Virgínia pensava estes como semideuses, mas agora os percebe como humanos. A jovem enxerga o mundo de falsidades que rodeia a ciranda e entende que não quer fazer parte daquilo e que o melhor a se fazer é dar de costas e sair.
A obra trabalha essas questões de forma profunda e com sutilezas que fazem justa à posição que Lygia ocupa em nossa literatura. É possível extrair da obra que nossas questões não são resolvidas na exterioridade e sim em nosso mundo interno, uma vez que foi Virgínia que, ao deparar-se com a realidade de suas idealizações, transforma sua interioridade e aquilo que a angustiava é compreendido e trabalhado.
A leitura dessa obra foi uma experiência nada menos que fantástica para mim. A cada parágrafo há tanta riqueza de entendimento sobre a vida que me encantava todo o tempo. Lygia com certeza ocupa posições altíssimas de meus escritores preferidos!