NINAZEN1K 28/07/2023
E uma bengala, pai
Quando se começa dizendo que "a um bebê perdoamos que não reconheça a visita, mas pelo idoso nos desculpamos constragidos", temos um prefácio que escancara a profundidade da obra de modo sutil.
Em uma linguagem simples e com uma narrativa curtíssima e envolvente, Fitzgerald revela seus traços de escrita costumeiros, em um conto para se refletir e digerir com calma.
É claro que a pressão das aparências, as expectivas e a opinião externa são temas discutidos na obra (o que lembra um pouco "A Metamorfose" de Kafka), mas não só. O autor também pincela levemente o conservadorismo do sul, os costumes americanos do final do século, questões que virão a ser exploradas novamente em suas narrações futuras.
No entanto, o ponto chave da história é, sem dúvida, o (des)envelhecimento, que "escancara o absurdo temporal". Recheado de tudo aquilo que esperamos e que não esperamos das pessoas de acordo com sua idade, a narrativa vai com comicidade e sutileza mostrando e cutucando nossos próprios comportamentos sociais.
O envelhecer ao contrário discute o etarismo (nas relações amorosas e nos estudos, por exemplo), o tratamento que a população idosa recebe, o desprezo ao envelhecer e a glorificação da juventude, tudo confrontando o público com o máximo de ironia possível: fazendo perceber que o fio que conecta o fim ao início é uma linha tão tênue que mal se distingue (afinal, tanto jovens quanto velhos não são levados a sério, incompreendidos por aqueles que vivem nos "dias de glória").
Mas ainda que se fale de semelhança na velhice e na infância, sabemos que existem também diferenças de tratamento (pois são apenas "os jovens cheios de vitalidade que têm um grande futuro pela frente"), onde o mais cruel de tudo é como, a qualquer e todo tempo, as pessoas a sua volta o cobram como se pudesse alterar a forma como seu corpo avança no tempo, e não fazemos isso com nossos idosos também? Rechaçamos o fato de que envelhecem e deixam de agir como esperado, quando no final passam a viver como pequenas crianças que precisam de amparo?
E, afinal, o próprio Button despreza o envelhecimento de sua mulher. Hipocrisia? Diga-me você.
No fim, ele é vítima do tempo assim como qualquer humano: Benjamin Button, homem invertido, é uma metáfora de todos nós.