Suruassossaurus 17/01/2024
É eita atrás de eita do começo ao fim!
Descobri esse livro assistindo ao canal Central Pandora, focado em filmes, séries e, eventualmente, livros e jogos de ficção científica. O comprei no final de 2022 e quase comecei a ler, porém acabei deixando para outro momento e se tornou o primeiro livro que iniciei em 2024. Descrevendo em poucas palavras? Fantástica, emocionante, surpreendente. Esta resenha terá alguns spoilers leves da introdução e dos primeiros capítulos, além de coisas aleatórias que só farão sentido durante a leitura.
Em um futuro distante a humanidade conquistou avanços tecnológicos que permitiram sua propagação pela galáxia. Três foram os resultados. A primeira: a descoberta de que não havia, até onde conseguiram averiguar, vida fora da Terra. A segunda: com os avanços em engenharia genética e IAs seria possível começar a preencher os planetas viáveis não apenas com colônias humanas, mas também com vegetação, atmosfera e clima. O terceiro: Haviam dissidentes na humanidade que, tomados de um ego frágil e um senso de que ?O Universo foi feito para nós?, viam com hostilidade os avanços das IAs e planos que envolviam evoluir e mesmo tornar racionais criaturas não humanas. Essas pessoas eram constituídas de religiosos, conservadores, racistas, tecnofóbicos e esse pessoal que em geral só atrasa a nossa vida mesmo fora da ficção. O enredo se divide em três núcleos: Dra. Kern, Gilgamesh e o povo de Portia.
Dra. Kern é a cabeça de um projeto que visa tornar a vida humana habitável em planetas que estejam dentro das zonas habitáveis de seus respectivos sistemas solares. Todavia seus planos têm uma pitada de ego megalomaníaco e noções levemente deturpadas de sua superioridade. A bordo de uma nave ao redor do primeiro planeta terraformado e já com animais ela planeja soltar macacos que, infectados com um nanovírus, sofreriam um desenvolvimento físico e mental em poucas gerações. Os planos da Dra. Kern vão além, desejando retornar quando os macacos tivessem desenvolvido tecnologia, momento no qual os humanos chegariam como deuses que seriam adorados e servidos. Todavia seus planos não saem da maneira como foram definidos.
A Gilgamesh é uma nave-arca dos remanescentes da Terra que viram seu planeta tornando-se inabitável após um período glacial. Toda a tecnologia deles é inferior à dos humanos que viveram antes de seu período e só graças aos conhecimentos que foram sendo aprendidos à duras penas tiveram um vislumbre de salvação: um planeta terraformado pronto para receber vida humana. Após construída Gilgamesh pôde iniciar sua lenta (muito lenta) viagem até o objetivo. Nela está o que sobrou da raça humana até onde eles próprios sabem. Uma missão desesperada pela sobrevivência encabeçada por um comandante disposto a qualquer coisa para cumprir a missão.
A primeira vez que vemos Portia ela está caçando. Sendo uma aranha saltadora, sua visão aguçada é vantajosa para calcular bem a distância até sua presa. Ela é a ancestral de um povo que, graças ao nanovírus, desenvolvem não apenas a inteligência e o tamanho, mas adquirem características não planejadas como desenvolver um senso de comunidade e conseguir transmitir as coisas que aprenderam para sua prole por meios genéticos. Através dos anos e das gerações vemos a rápida ascensão de sua sociedade, seus dramas, conquistas e traumas.
Eu terminei este livro em uma semana (teria sido mais se não fosse o meu emprego), simplesmente não consegui desgrudas os olhos. É o tipo de leitura que é difícil de parar pois somos alimentados constantemente com surpresas e reviravoltas, em especial as que envolvem as aranhas são bem difíceis de prever, não havendo parte desinteressante. A trama e os personagens são desenvolvidos de maneira tão primorosa que escolher um lado quando seus caminhos se cruzam não é algo fácil ou intuitivo. Sou uma pessoa que adora animais e acha aranhas saltadoras uma graça, mas nunca imaginei que um enredo as envolvendo (dado em consideração ser uma ficção científica, onde o absurdo acontece) me prenderia e me faria ficar tão apegado. O autor utiliza os elementos com uma eficiência de mestre. Questões sobre desgaste de componentes, a relatividade de viagens espaciais em comparação à quem está em um planeta, as consequências de ficar em sono induzido por longos períodos de tempo (realmente longos para os tripulantes da Gilgamesh) no psicológico humano e, principalmente, no desenvolvimento da sociedade das aranhas constituem os pilares de acontecimentos marcantes.
É uma leitura na qual não encontrei pontas soltas. Não há deus ex machina e se uma solução apareceu quando precisava, algo inesperado surge entre personagens ou a resolução de um problema ocorre de uma maneira muito inimaginável você logo se lembra que pistas que justificam esses elementos foram apresentadas durante toda a leitura. Nada é gratuito neste livro. Alguns momentos são de tirar o fôlego, outros me deixaram puto da vida. Fiquei sinceramente comovido com o desfecho de certas subtramas e, em um caso específico, contemplei com um horror real o destino de uma personagem.
Como uma xenoficção preciso ressaltar as aranhas. Elas terem sido infectadas com um nanovírus planejado para tornar macacos algo parecido com o ser humano não faz com que as aranhas hajam e desenvolvam tecnologia da mesma forma. Sua estrutura social, biologia e desafios a vencer em sua sobrevivência tornam-se surpresas fascinantes e afastam qualquer noção pré-concebida que desenvolvemos quando pensamos no animal do qual elas evoluem. Como o tempo no planeta passa mais lentamente com relação à quem está no espaço acompanhamos a sociedade através de vários descendentes de aranhas específicas que o narrador batiza com os mesmos nomes de suas ancestrais, mas que em momento algum torna-se confuso pois geralmente ele as introduz dizendo ?Vamos chama-la de Portia, ela é uma batedora?, ou ?Bianca é uma guerreira?. Contudo alguns capítulos depois acompanhamos uma Portia que é uma líder e uma Bianca que é uma pesquisadora, além de que a sociedade e o ambiente mudam de maneira que conseguimos acompanhar com tranquilidade. Sua tecnologia também difere dos humanos, além de sua moral, contrato social e até mesmo o destino manifesto no qual acreditam seguir. Comunicam-se de maneira diferentes, lidam com as questões únicas de suas vidas com de formas nunca escolhidas por humanos. É absurdo como o desenvover de sua sociedade, tanto social quanto estrutural e políticamente, chega a ser coerente dentro da lógica na qual está inserida.
As referências/inspirações na Teoria do Astronauta Antigo são muitos fortes e em alguns momentos pensei ter visto um pouco do game Mass Effect no enredo. Contudo nada se cria, tudo se transforma, e se as comparações de certos trechos com ideias já apresentadas em outras mídias são insinuadas em nossas mentes garanto que foram utilizadas de maneira a criar um livro, com o perdão do palavreado, DO ? #$%!& . Infelizmente ele é o primeiro de uma trilogia, sendo Herdeiros do Tempo publicado no Brasil apenas no ano retrasado. Preciso me contentar em esperar a editora lançar ou outros ou então ler em inglês.