spoiler visualizarMaria14238 03/08/2023
Justiça por Joana D'arc
No início de 2023 o assunto Joana D'arc se introduziu de forma muito súbita na minha vida. Não recordo qual foi o gatilho para que minha obsessão por essa figura histórica surgisse, porém é certo que o meu primeiro contato com a trajetória da Joana foi através desse livro.
O começo é lento, a leitura se arrasta nos primeiros capítulos, até ganhar força e ritmo no ápice da história e deslanchar até o final.
A Katherine J. Chen tratou de sensibilizar a história ao máximo, desenvolvendo ao longo do livro uma espécie de "bastidores" por trás dos holofotes que caíram sobre a Joana através do tempo. É possível ver uma heroína totalmente humanizada, com características físicas robustas e masculinas para justificar sua força implacável. Esse aspecto foi o mais surpreendente capaz de me tocar, pois a autora vai construindo justificativas humanas para toda a glória conquistada pela personagem, trazendo a reflexão perspicaz do que significa ser uma mulher na idade média, e o quão poderosa é a influência católica sobre cada indivíduo e reinados.
É logo na infância imaginada através da perspectiva da autora, que vemos Joana D'arc começar sua extensa coleção de sofrimentos, provações, abandonos, e em meio a tudo isso, seus questionamentos a respeito do divino. Ela é maltratada pelos irmãos mais velhos e agredida pelo pai, que por diversas vezes a deixa inconsciente. O que surpreende, é que apesar disso, Joana é famosa em Domrémy, sendo reconhecida como uma garota arteira, mas gentil, que está sempre pronta para ajudar.
Em diversos momentos do livro, Joana questiona se há um deus, e se esse deus existe, por que permite o sangue derramado dos franceses? Com base nessas reflexões, ela constrói seu senso de justiça e sua vontade de cessar a guerra. Ela não se imaginava de fato lutando no campo de batalha até então, mas já tinha a noção de que algo precisava ser feito, e rápido.
A relação entre ela e sua irmã, Catherine, além de seu tio Durand, são as únicas coisas boas que ela considera em sua vida dolorosa. E foi o suicídio de sua irmã após ter sido abusada pelos ingleses durante uma invasão em sua vila, que Joana se transforma na versão em que conhecemos. Ela vai até o Delfim da França e consegue chegar na posição de líder das tropas francesas, e a partir desse ponto, os resultados são uma sucessão de vitórias essenciais para mudar o rumo da guerra, motivadas não pelo divino, mas pela crua vingança que Joana começa a caçar.
Isso é interessantíssimo, pois nos faz refletir em como uma verdade pode ser manipulada para ser aceita numa determinada época, por determinados povos. A França teria criado essa película santificada para que a Joana perdesse sua humanidade e fosse comprada como uma "Enviada por Deus", pois o povo jamais seria receptivo a uma simples mulher na posição de liderança dentro de um exército, e isso faz todo sentido.
Abrindo um ênfase para a traição do Delfim, é simplesmente angustiante os capítulos finais. De "santa", Joana passa para "farsa", e tão rápido quanto sua glória ergueu-se, também declinou. A revelação que seu pai fez à ela de que o amado tio teve a oportunidade de intervir no abuso da sobrinha, mas escolheu fugir, é a "cartada final" para perpetuar sua vida de sofrimento. O então Rei Carlos VII motivado pela inveja a envia à armadilha de Paris para favorecer sua captura, mergulhando o leitor naquele velho bordão "Todos querem te ver bem, mas nunca melhor que eles". Joana foi traída por aqueles a quem ela salvou, mas nesse livro, Katherine eleva o plot de Mártir, sendo impossível não se emocionar.
Diante disso tudo, concluo que esse livro é brilhante, e eu mais do que recomendo a todos que gostariam de se familiarizar com essa incrível personagem histórica. O livro não tem foco nas cenas de batalha, mas sim em imergir o leitor no consciente da heroína e no seu legítimo propósito de expulsar os ingleses do território francês.
Bônus: recomendação da música Joan of Arc - Arcade Fire.