spoiler visualizarAlle_Marques 07/02/2024
Amaai
...
"Eu sinto essa vida
Dolorosa e insuportável
Mas não posso fugir
Já que não sou um pássaro"
...
A história é interessante, diferente e imersiva, é boa de acompanhar e os personagens são únicos e bem desenvolvidos, a escrita é sensível, quase poética, bem exagerada as vezes, bem mais sentimental do que era necessário e isso prejudica um pouco o ritmo, mas prazerosa de ler mesmo assim e apesar disso.
A Nori é uma protagonista em constate mudança, crescimento, é fácil se irritar por algumas de suas atitudes, como a passividade, por exemplo, mas também é fácil de entender suas motivações, é fácil se colocar em seu lugar e inevitável se sentir sufocado em meio a tantas violências e provações. Akira, por sua vez, é um mistério do início ao fim, ele é complexo e cheio de camadas, além de ser bem difícil de decifra suas reais intenções e seus objetivos, especialmente em relação a irmã, ele é um personagem profundo, cativante e foi de longe meu favorito. A relação dos dois, então, nem se fala, é o ponto alto da obra. É uma história de amadurecimento, de descobertas e injustiças, é por vezes dolorosa, mas por vezes reconfortante. É uma jornada única e marcante.
Sobre o final, pensei bastante a respeito dele e depois de muito pensar, a conclusão que cheguei foi que: não, não foi ruim, a Nori teve, enfim, o reconhecimento que merecia, a justiça estava sendo feita e ela estava caminhando para ocupar o seu lugar no mundo. Porém, a forma como isso aconteceu, como foi executado e o caminho que a história trilhou até chegar lá, isso sim foi ruim e desnecessário, poderia ter sido bem melhor pelo bem da obra como um todo, teve muitos elementos que poderiam ser descartados, além de umas contradições que incomodam bastante, como, por exemplo, a protagonista ter um único objetivo na cabeça, o de mudar as coisas, quebrar as tradições, mas acabar executando essas mesmas tradições, fazendo exatamente o que esperavam dela e disposta a prejudicar outros — seu próprio filho, principalmente — da mesma forma como ela própria foi prejudicada.
Alguns outros pontos que me incomodaram bastante, foi (1) a desconexão do título com a história, (2) o único grande problema dos japoneses ser o fato da Nori ser uma bastarda e não por ela ser negra, além de deixar um pouco de lado a busca pela identidade que deveria acompanhar a protagonista (3) e o esquecimento da autora, e consequentemente da personagem, em relação a algumas coisas que aparecem na história.
Em partes: (1) Pelo título, é meio obvio de se imaginar que a chuva vai ser uma personagem importante para a jornada da Nori, mas isso não acontece, ela mal é citada e quando aparece não faz jus ao título, além de mal se dá ao trabalho de se conectar com as explicações dos tipos de chuva presentes no final da obra da DarkSide.
(2) Nunca fui ao Japão, então não posso afirmar como as coisas são por lá, mas é bem difícil de acreditar que um país que passou centenas de anos isolado e com uma história recente horrível com estrangeiros (segunda guerra, Hiroshima e Nagasaki), em plenos anos 50 e 60, aceitavam uma japonesa negra, mas não aceitavam uma bastarda. É logico que o livro tem sua dose de abordagem ao racismo (os vários comentários depreciativos da Nori em relação a si mesma, suas questões com o cabelo e os banhos de alvejante, por exemplo), mas considerando o contexto, é tão raso que chega a ser estranho. Porém, como disse, nunca estive no Japão, então não posso afirmar que essa abordagem está perto ou longe da realidade, foi apenas a impressão que fiquei. Além disso, o livro também perde bastante em profundidade na hora de trabalhar a identidade e ancestralidade com a protagonista, seria ótimo ver ela explorando e buscando conhecer melhor esse seu outro lado como uma mulher, não só japonesa, mas negra e meio americana também.
(3) A quantidade de pontas soltas incomoda bastante, uma das principais delas é o total esquecimento do bordel na história, ele e suas personagens não aparecerem de novo, eu entendo, mas não serem nem citados, nem lembrados, nem pela protagonista, nem pela autora, isso sim é estranho. É um dos momentos mais importantes da vida da protagonista, ela faz uma amizade importante e uma das primeiras da sua vida, mas depois que vai embora nunca mais pensa a respeito, nem se dá ao trabalho de ir atrás da amiga para saber como ela está, isso é incoerente, até porque, para que introduzir elementos em uma história, criar personagens e tramas, se não pretende dar um desfecho pra eles depois?
Enfim, foi um livro difícil de decifrar e resenhar, não por ser difícil, não é, mas porque apensar de tantas ressalvas, tantos incômodos e conseguir pensar em mais críticas do que elogios, ainda assim, gostei bem mais do que pensei ser possível, embora não consiga dizer exatamente o porquê. É uma história que vale a pena conhecer apesar de tudo.
...
[...] "Mas pense!", Kiyomi explodiu e, por fim, as lágrimas caíram. Correram por suas bochechas pintadas de vermelho e se agruparam em sua clavícula. "Pense que tipo de mulher você poderia ser."
Nori nunca tinha, por um único segundo, pensado em que tipo de mulher poderia ser.
"A senhora... a senhora me disse para me resignar."
"E agora estou dizendo para você lutar." [...]
...
1° Livro de 2024, 1ª Resenha de 2024
Desafio Skoob 2024