pedrolucasmr 26/11/2023
Quanto maior a expectativa, maior a decepção
Vou começar explicando sobre o porquê eu tinha tanta expectativa para "O Rei de Amarelo": gosto muito das obras de Lovecraft, de como seu mythos é construído e como suas narrativas são unidas pelo mesmo fio de mistério e de acontecimentos sobrenaturais ou até antinaturais. Quando descobri sobre a existência do Rei de Amarelo, uma dessas figuras misteriosas que existem no Mythos de Lovecraft e dos que vieram após ele, fiquei intrigado. Fui atrás da fonte e descobri o livro onde tal figura se origina, nas mãos de um autor que foi uma das maiores inspirações para Lovecraft e seu Mythos. Eventualmente, quando a Darkside lançou a edição de luxo, decidi por comprá-la e, após alguns meses finalmente lê-la. Eu tinha expectativa de encontrar algo semelhante a Lovecraft e seus Mythos e, bem, eu não encontrei nada do tipo aqui.
Normalmente, eu comentaria sobre cada conto da coletânea individualmente, mas não tenho pontos suficientes sobre todos, então darei destaque aos que me chamaram mais atenção, para o bem ou para o mal, e depois falarei sobre a obra como um todo e a edição da Darkside.
O Reparador de Reputações: O primeiro e, pelas minhas pesquisas superficiais, mais conhecido conto da obra. Tem um protagonista que não é confiável e uma narrativa propositalmente confusa. Sendo sincero, esse primeiro conto já não me chamou muita atenção quando o li, mas confesso que talvez eu só não estivesse com a cabeça boa para esse tipo de narrativa naquele momento. Achei bastante fraco, mas provavelmente vale uma releitura num futuro (nem um pouco próximo).
O Sigilo Amarelo: Quarto conto da coletânea e, para mim, o melhor entre os 10. A narrativa é interessante e misteriosa, os personagens são bons e bem-desenvolvidos, a conclusão é sombria e satisfatória. Dentre todos os contos do volume, esse e "Demoiselle D'Ys" foram os que mais me prenderam, de longe.
Rue Barrée: O último conto da coletânea e, talvez, um dos piores nela presentes. A narrativa é confusa, a conclusão é sem graça, o desenvolvimento é tão vago que chega a ser quase inexistente. Esse último conto exemplifica muito bem os problemas presentes em praticamente todo o livro.
Falando sobre a obra como um todo, temos muitos conceitos interessantes e promissores aqui, principalmente na primeira metade do livro, mas quase todos eles acabam sendo mal desenvolvidos e/ou mal concluídos. Na primeira metade, temos 2 contos realmente bons, como citei acima, 1 conto bom mas esquecível e 2 contos confusos e mal desenvolvidos. Na segunda metade a situação é ainda pior, com apenas 2 contos relativamente bons. Durante toda a coletânea, temos os mesmos problemas reaparecendo de novo e de novo. O principal deles, e o que mais me afastou da obra, é o desenvolvimento raso e inconstante que as narrativas têm. Por vezes, o autor dispara numa onda de descrições elaboradas e bonitas sobre o cenário, por vezes se estendendo por páginas inteiras, utilizando de uma prosa fluída e envolvente e construindo muito bem a cena. Logo em seguida, ele desenvolve uma cena decisiva para a narrativa em um ou dois parágrafos rápidos e confusos, por vezes beirando o sem sentido. Algumas boas vezes durante o livro tive de voltar um parágrafo ou mesmo uma página para ver se não pulei algum trecho, de tão abruptos que alguns acontecimentos são. Esse problema afeta e muito a conclusão dos contos, que muitas vezes parecem ter um começo e um fim, mas não um meio. O desenvolvimento dos personagens é tão tênue e os acontecimentos tão súbitos que, em grande parte dos contos, é difícil ser impactado ou mesmo ser atraído pelo que está sendo contado. Os finais também são, por vezes, insatisfatórios. Alguns contos parecem não-histórias, de tão secas e sem graça são suas conclusões.
E, para terminar, também fiquei bastante decepcionado com a edição da Darkside, algo raro de acontecer. A edição é linda, as ilustrações são perfeitas (embora um tanto deslocadas, em alguns casos), como é padrão da editora. No entanto, principalmente considerando que é uma edição de luxo (e que custa como tal), algumas coisas me incomodaram. Primeiro, as introduções aos contos são bem esquisitas, muitas vezes insinuando sobre a presença do terror em contos onde não há terror algum, parecendo que é sempre necessário que essas introduções tentem manter o clima de terror quando, desde a introdução inicial do livro, é dito que não há terror algum na segunda metade da coletânea. O maior problema da edição é, no entanto, a falta de notas sobre o texto. "O Rei de Amarelo" conta com inúmeras falas e até pequenos trechos em francês e, na maioria delas, não há notas com traduções. Além disso, como a maioria dos contos se passa em Paris, há inúmeras referências e aparições de locais, aspectos culturais e históricos, piadas e etc., Para a grande maioria desses casos, não há notas do tradutor/editor. Claro, é possível resolver grande parte desse problema acompanhando a leitura e usando tradutores e buscas para contexto, mas caso você já não esteja gostando muito da obra (como foi o meu caso), é provável que esse processo te desconecte ainda mais dela.
No geral, "O Rei de Amarelo" não é uma obra ruim, mas sim extremamente fraca comparada com outras obras da época e mesmo com as obras que tiveram inspiração nela. Os contos são bastante inconsistentes em quesito de qualidade e nível de interesse, a prosa é inconstante e vai de muito boa a muito ruim bem rápido. Me prender a leitura por todos os 10 contos foi um desafio para mim, e em muitos trechos eu persisti por pura força de vontade, pois não queria abandonar o livro. Nos últimos 3 ou 4 contos, o livro parecia interminável, de tão desinteressante que ficava em boa parte do tempo. A edição também não ajuda, o que, para mim, só puxou mais ainda o livro para baixo. Infelizmente, "O Rei de Amarelo" tem bons conceitos, bons trechos e boas ideias, mas seus pontos altos empalidecem e muito frente a seus pontos baixos.
(Vale notar, claro, que essa resenha é puramente minha opinião baseada na minha experiência casual de leitura da obra. Não quero desmerecer o valor da obra como um clássico.)