Heitor 14/01/2024
A vez que a barreira da linguagem leva os sentimentos, dói
Chorandinha na feira é um bom livro, pra no mínimo três estrelas. com uma história autobiográfica potente, que arrebata o leitor na ciência coreana da gastronomia tão esforçadamente bem escrita nas passagens. Mas, ao transpor a barreira da linguagem, tido o livro traduzido para nosso idioma tal, a sensação que fica é a de uma suspeita, de uma perda profunda na conexão com a personagem-autora, uma desconfiança que, para quem já a conhece, vindo por suas músicas, vai suprir esse estranhamento tapando a lacuna com a existência concreta de sua remetente, mas, para quem não a conhece e está adentrando ao manejo de suas memórias pela primeira vez, seja pela experiência traduzida, ou por alguma questão na lida ficcional que requer ao tratar as próprias memórias, a sensação que me pegou fora a de um distanciamento com a personagem e um certo incômodo com a narrativa.
para uma história tão forte, certas passagens transmitiam mais uma necessidade descritiva, uma ambição para listar tudo que existira na época, ou de dar uma cara reconhecível, estereotipada, em vez de cuidar das impressões, das confluências dos sentimentos até suas respectivas catarses. por isso digo que houve uma questão em se dar uma leitura traduzida e que, o poderio que carrega a obra e toda sua repercussão, de toda certeza não deve ser questionada em seu idioma de origem. uma pena não ter sido capaz de me conectar tão entregue e ser cúmplice dos relatos dessa delatora que carrega um mundo de saudade em cada prato.
outra inquietação é mais precisamente pessoal: que tristeza não gostar de comidas apimentadas e amargas para experimentar a variedade de pratos que vamos sendo apresentados e convidados a comer! quem sabe só tirar uma provinha, né?