Piter 28/11/2023
O tesouro Gótico que precisávamos
Como ávido fã de literatura gótica, pude ter a experiência de ler Mansão Mohr em primeira mão e me encantei com a narrativa num todo.
Ambientado na Era Vitoriana, tem-se como protagonista Sophie, uma mulher de baixa renda numa família opressora onde a jovem atua enquanto criada, sob condições desumanas, até que mortes começam a ocorrer nos arredores da floresta, evocando perigo, e ela conhece um certo cavalheiro inglês cuja boa retórica irá tirá-la da miséria. Ele a convida para trabalhar na mansão de sua família, mas todos na região os vêm como esquisitos e reclusos. Essa jornada irá forçar Sophie a encarar seu passado, aprender mais sobre si mesma, assim como a enxergar as pessoas certas pelas nas quais ela deve confiar.
A autora criou uma ambientação e atmosfera cativantes, repleta de verossimilhança e coesão com os sentimentos da protagonista. Tudo é muito marcante: a casa, a floresta, a mansão e todo o resto. Há muito peso histórico envolta da trama, percebe-se que Patrícia teve um trabalho de pesquisa e estudo competentes, tanto na hora de escrever os vestuários, os hábitos, as formas de tratamento e a cultura.
Gosto do realismo quanto à personagem, pois Sophie é uma garota com pouco acesso à língua formal - apesar de ávida leitora das Penny Dreadfuls, aspecto o qual me fisgou de modo instantâneo. Suas falas e jeito de pensar (ao menos inicialmente), refletem a condição na qual está inserida. Sou apaixonado por casarões vitorianos de arquitetura gótica, então as descrições dentro da Mansão da família Mohr me sugaram.
E por falar em gótico, não tenho dúvidas de que esse é um dos livros que faz extremo jus à ficção gótica do cânone. Uma prova de que nós, escritores brasileiros, não somente podemos fazer literatura desse eixo literário, como temos a aptidão e repertório para isso. O mosaico é tenebrosamente diverso: personagens de moral duvidosa, ambivalentes, com uma aura sombria e uma espécie de mal pairando no ar o qual persegue a todos. Temos dândis charmosos e enigmáticos, mulheres fortes, bruxaria, vampiros que remetem diretamente aos clássicos do século XIX e uma dose indispensável de sobrenatural, bem como terror psicológico e gore. Os arquétipos do goticismo espreitam por todas as páginas, explorados em várias camadas e numa linguagem a qual, apesar de datada, tem muito de atual.
Adoro a forma como a narrativa salta de modo gradativo. Começa numa calmaria soturna, em seguida, vai se manchando de sangue até se tornar um banho integral de violência, female rage e vingança com aquele gostinho o qual adoramos. As cenas do ato final são sanguinolentas, brutais, e contribuíram para efetivar meu envolvimento, já que adoro um livro pesado. O mistério percorre tudo, instigando o leitor a juntar as peças enquanto sempre dá uma roupagem nova, um segredo que não esperávamos, viradas bruscas, etc.
Negativamente falando, o terceiro ato talvez se prolongue demais no relacionamento da Sophie e também existem alguns capítulos mornos demais. De certo modo, achei a escrita um tanto melodramática em excesso em alguns momentos. Às vezes havia metáforas que não precisavam estar ali. Devo mencionar: há um plotwist na história me pareceu previsível, mas só porque já estou acostumado com esse tipo de trope; ele não tira a qualidade desse recurso dentro do livro, não mesmo. Contudo, ainda assim, achei repentino em demasia.
"Mansão Mohr", nesse sentido, nos traz uma mitologia vampiresca nova e velha de forma simultânea. Não esperava pelo trisal, nem por aquela(s) cena(s) hot a qual unem poesia e ardor sensual com um pouco de erotismo tétrico. Foi divertido, bem como instigante, acompanhar o crescimento da protagonista enquanto as outras peças se encaixavam.
Um ebook formidável que une paranormalidade, magia das trevas e questões femininas numa emanação atmosférica obscura sob véu oitocentista. Recomendo para todos os amantes da ficção goticista, de romances de época e os fâs de "Assombração na Casa da Colina", "Colina Escarlate", "A Bruxa", "Castelo de Otranto", entre outros.