arilopes 05/05/2024
O Herdeiro Roubado
De modo injusto, não conheço a persona que cunhou a definição de alta fantasia para os leitores, mas com certeza Black, majestosamente, se destaca nesse gênero. As Crônicas de Spiderwick foram meu primeiro contato com a escrita de Black, seguida pela envolvente trilogia O Povo do Ar. E, convenientemente, sempre me pergunto se As Crônicas de Spiderwick não serviram de fundamento para os demais universos, personagens e mitologias que Black nos apresenta. Suspeito que as crônicas possam anteceder o tempo em que Mab uniu as cortes Seelie menores sob sua bandeira. Uma auspiciosa e agourenta ancestralidade.
É alarmante e notável a capacidade que alguns escritores têm de idealizar mundos e universos particulares, com Black você os vive intensa e vividamente. E desfolhada de qualquer glamour, sua escrita é enfática, eufônica e fermentada no mais doce e entorpecente hidromel. Inextricavelmente traçada para cativar e, de certo modo, amaldiçoar nosso esmero.
Outro aspecto que torna a narrativa de Black encantadora é sua rica mitologia. Ao longo da trama, seres como banshee, trolls, kelpie, sereiano, bruxas, nisse, glaistig, goblins e corcéis de erva-de-santiago não apenas povoam as páginas, mas também evocam a noção de um sonho idílico e profano que parece renegar nossa própria realidade. Quando seus sonhos são feitos apenas de papel, tinta e palavras maltrapilhas, por que não escolher uma vida incomum, enfeitiçada e dolorosamente forjada em livros? Afinal, por mais que você se despedace ansiando pelo que é extraordinário, onírico ou místico, sua verdadeira lamúria reside em possuir tais maravilhas. Daria um ano da minha vida em trocar de ser uma changeling.
Ademais, devo clarificar que antes de iniciar a leitura sentencie Black ao abismo do bloqueio criativo por seus capítulos grandes, mas, como um verdadeiro tolo, estava equivocado. O encanto da narrativa te captura de tal forma que você perde completamente a noção do tempo. Ao mergulhar nos tumultuados eventos de Elfhame e interagir com seus astutos personagens, você acaba, na verdade, prestando um tributo à criatividade de Black ao dedicar seu precioso e limitado tempo a essa experiência.
É embaraçoso desassociar o pequeno e ingênuo Oak de sua imagem de cortesão atual. Criado por Madoc e a Grande Rainha mortal, Jude, é impossível lhe devotar qualquer boa-fé sem colocar em risco seu coração. Um carvalho não se destaca apenas por sua majestosidade, mas também pela sua capacidade de sobrevivência. Oak é versado em todas as artes, mas parece não ter previsto que, mesmo a carniça, não está imune à ira.
Quanto a Wren, sua autenticidade e monstruosidade ocultam um coração aprisionado no relicário sofrível de sua infância. Suren.. . Ren.. . Wren, será que ninguém lhe disse que a rainha vive em exílio autoinfligido há anos? E que revelação tão agridoce é encontrar uma personagem tão machucada e emocionalmente frágil e que se recusa a se conformar com as regras opressivas que a reduzem a insignificância. No entanto, às vezes, somos coisa nenhuma e esse é o nosso maior poder. Não ser nada. Nicles. Neca.
É verdadeiramente uma bênção retornar a Elfhame, ao mundo do Povo das Fadas, repleto de estratagemas, inverdades contidas e o interjogo do dito e do não-dito em suas frases. Black não mede esforços para nos conduzir ao presumível, apenas para gargalhar de nossa ingenuidade mortal. Entretanto, quando se vive tempo suficiente à beira de mundos mágicos, convivendo com seres de beleza aterradora e uma ferocidade inimaginável sob uma fachada de polidez, aprende-se a sempre estar um passo à frente. Em mundos onde apenas tolos são indulgentes, é essencial aprender a arte do engano e de não ser enganado. Sinto-me parte do universo quando antecipo algum desfecho e que graça voluptuosa foi me deleitar com o final dessa história.
E com grande alarde, meu peito deseja saber o que está velado no segundo volume dessa duologia. E me pergunto, em qual lado dessa guerra devo me alinhar. Deverei apoiar a Grande Rainha mortal ou a ascendente Rainha da Corte dos Dentes? Mas, acima de tudo, existe realmente um lado correto a escolher?
"Todos os nomes guardam algum poder."
"Pode ser corajoso odiar. Às vezes é como ter esperança."
"Às vezes a vida nos dá o terrível presente de termos nossos próprios desejos realizados."
"Minha maior fraqueza sempre foi meu desejo por amor. É um abismo profundo dentro de mim, e quanto mais busco o amor, mais facilmente sou enganada. Sou um hematoma ambulante, uma ferida aberta."